15 de novembro de 2007

A minha cidade...











... é o meu berço!

O meu berço...






... é a minha cidade!

11 de novembro de 2007

Realmente, basta um pequeno gesto...

É impressionante a facilidade com que o nosso egoísmo motivado pela preguiça nos leva a esquecemo-nos dos que nos são próximos, dos que nos são queridos ou dos que nos querem bem e, apesar de distantes, não nos esquecem.

Não creio que a distância, o afastamento, seja motivo suficiente para motivar ou justificar a falta para que com eles temos ou mantemos.

E, realmente, a maior alegria que lhes podemos dar é, precisamente, mostrar, de vez em quando, que estamos lá, que não nos esquecemos, que nos lembramos lá, ou simplesmente, fazer uma visita, aparecer, perder duas horas do nosso tempo para fazer lhes fazer um pouco de companhia. Para nós, são apenas duas horas o tempo que dura um filme.

É um pequeno gesto. Sem aparente grande significado, pelo menos para nós. Mas de impressionante efeito para quem é visitado, para quem nos sente próximos. Para quem, no termo de uma vida, a única coisa que procura é o conforto daqueles de quem gosta, de quem ama. Sentir a sua presença, sentir o seu conforto, o seu carinho, o calor que só a família sabe dar... enfim, sentir-se em casa.

São duas horas de conversa jogada fora, ou apenas dois minutos para dizer olá, não estás sozinho, estamos contigo... pouco tempo, mas uma grande alegria...

Ver o sorriso, ouvir a sua gargalhada... fazê-lo sorrir, que seja apenas uma vez, mais uma vez, um sorriso com vontade, de quem se sente o calor, de quem sente a nossa presença, de quem se sente tocado pela nossa presença, tornam esse pequeno tempo numa eternidade, num momento eterno, que nos aquece o coração, que nos transporta de novo a casa, a um momento terno da nossa infância, aos tempos de criança, ao conforto e calor que sentíamos com a sua presença, com o seu abraço.

Vem isto à baila de uma recente visita a um familiar que, apesar de muito chegado, circunstâncias da vida nos afastaram. Ver o seu sorriso, ouvir sua gargalhada, sentida, com vontade, sentir a alegria que transmitia por me ver ali, sentir a minha presença, transportou-me para momentos da infância onde sentia a sua protecção, o seu conforto, o seu calor.

Transportou-me para as histórias que me contava para adormecer, as sopas de pão com leite e açúcar, ás idas para a praia na traseira do seu Mini castanho, das batatas fritas pala-pala, ou dos sugos de fruta... de tantas outras memórias, que iam surgindo em catadupa...

Apesar de o ver muito debilitado e cansado, também da vida, soube-me bem poder retribuir-lhe um pouco do que em criança me deu, me fez sentir, me dedicou. A dívida, nunca poderá ser paga ou retribuída, o crédito que tem sobre mim é bem maior do que alguma vez lhe poderei retribuir. Mas tenho a certeza de que nunca ma virá cobrar.

E de facto, dar uma pequena alegria a quem sempre esteve lá, presente... realmente, não custa mesmo nada, e basta um pequeno gesto.

Obrigado, avô!

12 de outubro de 2007

Lua de Ponta Delgada


Lua vista de Ponta Delgada, à 1h43m do dia 27.09.2007
[foto minha]

29 de setembro de 2007

Em branco... e preto...

Ele há dias assim...
... em que mesmo que queiramos escrever alguma coisa, nada nos sai...

Ainda não é desta que aceito o repto lançado...

11 de setembro de 2007

você tem que saber que eu quero correr mundo correr perigo

eu quero é ir-me embora

eu quero dar o fora

e quero que você venha comigo

19 de julho de 2007

Ainda sobre o postal anterior

Poucas frases me pareceram tão verdadeiras, tão mordazes como a anterior. Reduz, a uma simples ideia, toda uma teoria.

Uma verdade

«... o nosso ensino não passa de um reprodutor de ignorantes, que se reproduz sucessivamente ...»

Medina Carreira

6 de junho de 2007

A agonia do real

"Quando uma nave espacial reentra na atmosfera sofre um choque que quase a destrói. Quando uma criança nasce do ventre de sua mãe, grita de dor, como se ao entrar-lhe o ar exterior nos pulmões, lhe entrasse o desejo de sufocar. Quando o mundo da ilusão reencontra o real, sente-se a vontade da loucura, porque ao menos aí a agonia é medicada. Há é claro sempre a solução de se partir de férias e com isso a esperança de que no regresso esteja já, enfim, tudo morto."

[José António Barreiros, in A Janela do Ocaso]

31 de maio de 2007

[...]

Ya estaba alta la noche. La lámpara que ardía en un rincón comenzó a languidecer; luego parpadeó y terminó apagándose.
Sentí que la mujer se levantaba y pensé que iría por una nueva luz. Oí sus pasos cada vez más lejos. Me quedé esperando.

Pasado un rato y al ver que no volvía, me levanté yo también. Fui caminando a pasos cortos, tentaleando en la oscuridad, hasta que llegué a mi cuarto. Allí me senté en el suelo a esperar el sueño.

Dormí a pausas.

En una de esas pausas fue cuando oí el grito. Era un grito arrastrado, como el alarido de algún borracho: "­¡Ay vida, no me mereces!"

Me enderecé de prisa porque casi lo oí junto a mis orejas; pudo haber sido en la calle; pero yo lo oí aquí untado a las paredes de mi cuarto.
Al despertar, todo estaba en silencio; sólo el caer de la polilla y el rumor del silencio.

No, no era posible calcular la hondura del silencio que produjo aquel grito. Como si la tierra se hubiera vaciado de su aire. Ningún sonido; ni el del resuello, ni el del latir del corazón; como si se detuviera el mismo ruido de la conciencia. Y cuando terminó la pausa y volví a tranquilizarme, retornó el grito y se siguió oyendo por un largo rato: "¡Déjenme aunque sea el derecho de pataleo que tienen los ahorcados !"

[...]

23 de abril de 2007

[...]
Hoje voam pássaros sem asas
Na terra desabrocham cores de guerra
E hoje as flores rolam pelo chão
Como se fossem pedras
[...]

3 de abril de 2007


[vista parcial da torre da Tate Galery em Londres. Foto de minha autoria]


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces, estendendo-me os braços, e seguros de que seria bom que eu os ouvisse. Quando me dizem: "vem por aqui"! Eu olho-os com olhos lassos, (há nos meus olhos, ironias e cansaços)

e cruzo os braços,

e nunca vou por ali...

A minha glória é esta: criar desumanidade! Não acompanhar ninguém. Que eu vivo com o mesmo sem-vontade com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por aí!

Só vou por onde me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde, por que me repetis: "vem por aqui"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, redemoinhar aos ventos, como farrapos, arrastar os pés sangrentos, a ir por aí...

Se vim ao Mundo, foi só para desflorar florestas virgens, e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós que me dareis impulsos, ferramentas e coragem para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, e vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide!

Tendes estradas, tendes jardins, tendes canteiros, tendes pátrias, tendes tectos, e tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios. Eu tenho a minha Loucura! Levanto-a como um facho a arder na noite escura, e sinto espuma, e sangue e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam,

mais ninguém!

Todos tiveram Pai, todos tiveram Mãe; mas eu, que nunca princípio nem acabo, nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções! Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se alevantou. É um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,

não sei para onde vou,

Sei que não vou por aí!

José Régio

1 de abril de 2007

Mãe

Quando eu nasci, ficou tudo como estava, Nem homens cortaram veias, nem o Sol escureceu, nem houve Estrelas a mais... Somente, esquecida das dores, a minha Mãe sorriu e agradeceu. Quando eu nasci, não houve nada de novo senão eu. As nuvens não se espantaram, não enlouqueceu ninguém... P'ra que o dia fosse enorme, bastava toda a ternura que olhava nos olhos de minha Mãe...

José Régio

31 de março de 2007

«... ao dobrar a esquina da Puerta del Angel com a Rua Santa Ana, deu-me o coração um salto. Fermín, como sempre, tivera razão. O destino aguardava-me diante da livraria envergando um vestido de lã cinzenta, sapatos novos e meias de sede, e a estudar o seu reflexo na montra...
- Não sei de que te ris...
- Não me estou a rir. Estou morto de medo, mas é que fico contente por te ver.- Eu também - disse ela num sorriso a meia haste, nervoso e fugaz.
- Dizes isso como se fosse uma doença...
- É pior que isso. Pensava que, se te voltasse a ver à luz do dia, se calhar, ganhava juízo...
- Não nos podem ver juntos. Assim não, em plena rua.
- E quem é que nos vai ver? A quem é que importa o que façamos?
- As pessoas têm sempre olhos para o que não lhes importa.

...

- Julguei que não vinhas...
- Estás a tremer. É de medo ou de frio?
- Ainda não decidi...

...

- Acho que nada acontece por acaso, sabes? Que, no fundo, as coisas têm o seu plano secreto, embora nós não o entendamos. Como o de teres encontrardo aquele romance de Julian Carax no Cemitério dos Livros Esquecidos, ou o de tu e eu estarmos agora aqui, nesta casa que pertenceu aos Aldaya Tudo faz parte de qualquer coisa que não conseguimos perceber, mas que nos possui.

...

- Não me deixes cair... - murmurou.

O homem mais sábio que alguma vez conheci, Fermín Romero Torres, tinha-me explicado, numa ocasião, que não existe na vida experiência comparável com a da primeira vez que se despe uma mulher. Sábio, como era, não me tinha mentido, mas tão-pouco me contara toda a verdade. Nada me tinha dito daquele estranho tremelique das mãos que convertia cada botão, cada fecho-eclair, em tarefa de titãs. Nada me tinha dito daquele feitiço de pele pálida e trémula, daquele primeiro roçagar de lábios, nem daquela miragem que parecia arder em cada poro da pele. Nada me contara de tudo aquilo porque sabia que o milagre só sucedia uma vez, e que ao suceder, falava um língua de segredos que, mal se desvendavam, fugiam para sempre. Mil vezes quis recuperar aquela primeira tarde no casarão da Avenida Tibidabo com Bea em que o rumor da chuva arrebatou o mundo. Mil vezes quis regressar e perder-me numa recordação da qual apenas consigo recuperar uma imagem roubada ao calor das chamas. Bea, nua e reluzente de chuva, deitada junto ao fogo, aberta num olhar que me perseguiu desde então.

Inclinei-me sobre ela e percorri a pele do seu ventre com a ponta dos dedos. Bea deixou descair as pálpebras, os olhos e sorriu-me, segura e forte.

- Faz-me o que quiseres... - sussurrou.

Tinha dezassete anos e a vida nos lábios...»

[in A SOMBRA DO VENTO, de Carlos Ruiz Zafón, Publicações D. Quixote.]

Já li, e mostrou-se um livro absolutamente fantástico. Curiosamente, ligo-o à música de Mafalda Veiga, não só porque a sua leitura foi sempre, ou quase sempre, acompanhada da musicalidade de Mafalda Veiga, mas também porque há uma música, em particular, que, sempre que a ouço, me traz à memória passagens do livro, me traz à ideia a história de Daniel Sempere e Beatriz Aguilar, passando pelo Humor de Fermín Torres e a loucura apaixonada de Julian Carax. A música é a "Saltimbanco Louco".
Sem dúvida que, neste momento, um dos livros de opção para reler.
Recomendo.

20 de março de 2007


São tantos os caminhos e os dias

Tantos como a saudade que se tem

Talvez um sabor leve de maresia

Talvez lembrança do sabor de alguém

13 de março de 2007

Sister

Passing time with you in mind
It’s another quiet night
Feel the ground against my back
Count the stars against the black

Think about another day
Wishing I was far away
Wherever I dreamed I was
You were there with me

(Chorus)
Sister, I hear you laugh
My heart fills full up
Keep me please
Sister, when you cry
I feel your tears
Running down my face
Sister, sister, keep me

I hope you always know it’s true
I would never make it through
You could make the sun go dark
Just by walking away

Playing like we used to play
Like it would never go away
I feel you beating in my chest
I’d be dead without

(Chorus)
Sister, I hear you laugh
My heart fills full up
Keep me please
Sister, when you cry
I feel your tears
Running down my face
Sister, sister, you keep me

I hope you always know it’s true
I would never make it through
You could make the heavens fall
Just by walking away

(Chorus)
Sister, I hear you laugh
My heart fills full up
Keep me please
Sister, when you cry
I feel your tears
Running down my face
Sister, sister, you keep me

[Mais um poema, absolutamente, fantástico de Dave Matthews, para mim um dos melhores músicos da actualidade. O poema é dedicado à irmã de Dave que foi assassinada.]

8 de março de 2007

A todas as mulheres do mundo...


... um bom e feliz dia!

13 de fevereiro de 2007

Todo o Mundo e Ninguém

Um rico mercador, chamado "Todo o Mundo" e um homem pobre cujo nome é "Ninguém", encontram-se e põem-se a conversar sobre o que desejam neste mundo. Em torno desta conversa, dois demónios (Belzebu e Dinato) tecem comentários.

Entra Todo o Mundo e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; logo após, Ninguém e diz:

Ninguém: Que andas tu i buscando?
Todo-o-mundo: Mil cousas ando a buscar: delas não posso achar, porém ando porfiando, por quão bom é perfiar.
Ninguém: Como hás nome, cavaleiro?
Todo-o-mundo: Eu hei nome Todo-o-Mundo, e meu tempo todo inteiro sempre é buscar dinheiro e sempre nisto me fundo.
Ninguém: Eu hei nome Ninguém, e busco a consciência.

[Belzebu para Dinato]

Berzebu: Esta é boa experiência! Dinato, escreve isto bem.
Dinato: Que escreverei, companheiro?
Belzebu: Que Ninguém busca consciência e Todo-o-Mundo dinheiro.

[Ninguém para Todo-o-mundo]

Ninguém: E agora, que buscas lá?
Todo-o-Mundo: Busco honra muito grande.
Ninguém: E eu virtude, que Deos mande que tope co'ela já.

[Belzebu para Dinato]

Belzebu: Outra adição nos acude: escreve logo i a fundo, que busca honra Todo-o-Mundo, e Ninguém busca virtude.

Ninguém: Buscas outro mor bem qu´esse?
Todo-o-Mundo: Busco mais quem me louvasse tudo quanto eu fezesse.
Ninguém: E eu quem me reprendesse em cada cousa que errasse.

[Belzebu para Dinato]

Belzebu: Escreve mais.
Dinato: Que tens sabido?
Belzebu: Que quer em extremo grado Todo-o-Mundo ser louvado, e Ninguém ser reprendido.

[Ninguém para Todo-o-Mundo]

Ninguém: Buscas mais, amigo meu?
Todo-o-Mundo: Busco a vida e quem ma dê.
Ninguém: A vida não sei que é, a morte conheço eu.

[Belzebu para Dinato]

Belzebu: Escreve lá outra sorte.
Dinato: Que sorte?
Belzebu: Muito garrida: Todo-o-Mundo busca a vida, e Ninguém conhece a morte.

[Todo-o-mundo para Ninguém]

Todo-o-Mundo: E mais queria o Paraíso, sem mo ninguém estrovar.
Ninguém: E eu ponho-me a pagar quanto devo pera isso.

[Belzebu para Dinato]

Belzebu: Escreve com muito aviso.
Dinato: Que escreverei?
Belzebu: Escreve que Todo-o-Mundo quer Paraíso, e Ninguém paga o que deve.

[Todo-o-Mundo para Ninguém]

Todo-o-Mundo: Folgo muito d´enganar, e mentir naceo comigo.
Ninguém: Eu sempre verdade digo, sem nunca me desviar.

[Belzebu para Dinato]

Belzebu: Ora escreve lá, compadre, não sejas tu preguiçoso!
Dinato: Quê?
Belzebu: Que Todo-o-Mundo é mentiroso, e Ninguém diz a verdade.

[Ninguém para Todo-o-Mundo]

Ninguém: Que mais buscas?
Todo-o-Mundo: Lisonjar.
Ninguém: Eu som todo desengano.

[Belzebu para Dinato]

Belzebu: Escreve, ande lá mano!
Dinato: Que me mandas assentar?
Belzebu: Põe aí mui declarado, não te fique no tinteiro: Todo-o-Mundo é lisonjeiro,
e Ninguém desenganado.


[Excerto do AUTO DA LUSITÂNIA de Gil Vicente (1532)]

11 de fevereiro de 2007

Tudo Pequeno

«Supreende-me e irrita-me -pois pertenço a essa espécia o humilde contentamento dos homens. Falam a todo o momento de grandezas - the biggest in the world - e a seguir descobre-se que lhes parece imensa qualquer modesta pequenez. Falta, em absoluto, a todos, o senso do gigantesco. Falam como Sansões e agem como o Pequeno Polegar.

Uma estátua da altura de sessenta metros parece, a seus olhos, um colosso; uma casa de cento e cinquenta, um desafio ao céu; uma torre de trezentos, um portento único; uma ponte da extensão de mil metros, uma vitória do génio humano. Uma cidade inde vivem seis ou sete milhões de homens - isto é, cem vezes mais deserta do que alguns formigueiros - faz o efeito de uma metrópole imensa; e uma população de cem milhões parece interminável. Nunca vi pobres tão extasiados diante das obras de empresários tão mesquinhos. Quando me vi pela primeira vez ao pé da Torre Eifel, não pude deixar de rir: Aquela desilegante gaiola de ferro, que parece um brinquedo de engenheiros, abandonado perto de um regato, era, realmente, a construção mais alta da Terra? É caso para ter vergonha de ser homem e de ter nascido neste século.

S. Pedro de Roma é, ao que dizem, a maior igreja do Mundo e tem, pelo menos, como vestíbulo, uma praça que podia ser o modelo reduzido de um dos meus sonhos. Mas quando se entra na nave fica-se desiludido. Isso é tudo? Em poucos passos, encontramo-nos sob a cúpula: não quero dizer que seja feia, uma vez que os especialistas a admiram, mas as dimensões são incrivelmente miseráveis. Se o Imperador do Mundo construísse um palácio real digno dele, um a cúpula como a de Miguel Ângelo poderia, quanto muito, ser a abóbada de um átrio de serviço. Quanto ao coliseu, seria, imagino, um pequeno pátio de passagem para as cozinhas.

É possível que os babilónios e os egípcios tivessem, um pouco mais do que nós, a fantasia do grandioso, embora possamos desconfiar das ruínas, que nos podem iludir. Mas os modernos - que possuem meios e mecanismos muito superiores aos antigos - deviam fazer muito mais e não escancarar a boca a vista das intenções mesqueinhas dos nossos arquitectos micrómanos.

Nenhum tem uma imaginação digna da nossa condição de monarcas do planeta. Ter-se-ia, por exemplo, de recomeçar a construção da Torre de Babel, abandonada por uma vil superstição, há milhares de anos. Um torreão de mil metros, que ultrapasse a zona das nuvens e permita contemplar inteiro todo o país a seus pés, não seria empresa impossível para os nossos construtores.

Contentam-se em admirar os navios de duzentos e trezentos metros de comprimento, que transportam, lentamente, através dos mares, alguns milhares de viventes. Mas o navio, em relação à nossa época, devia ser uma ilha autêntica, com jardins plantados em terra verdadeira, com ruas e palácios e destinada, não a andar daqui para alí, de um Continente para outro, mas a tornar possível a carreira regular entre todos os Continentes. Os paquetes de hoje nada mais são do que bacaças a vapor, que farão, dentro de um século, o mesmo efeito que nos fazem as diligências de há cem anos.

Por ora só as palsavras são de titãs, mas as nossas obras são de formigas e toupeira. Até as formigas nos podem dar lições de grandez. O Homem Moderno, apesar da sua jactância, pensa como Gulliver e não se percebe de que vive ao nível de Liliput.»

Nova Iorque, 24 de Janeiro

GOG

de Giovani Papini

1 de fevereiro de 2007

30 de janeiro de 2007

"Ode" à Lua


Ao deitar-me apercebi de uma presença do outro lado da janela. Uma claridade branca, branca, entrava pela janela. Ao abrir as cortinas confirmei a suspeita. Lá estava ela, a olhar para mim, do alto da sua alvura...

Por que tens, por que tens olhos escuros
E mãos lânguidas, loucas, e sem fim
Quem és, quem és tu, não eu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros ?

Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros?

Fugaz, com que direito tens-me pressa
A alma, que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa:

E és tão pouco a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética e indefesa
Ó minha branca e pequenina lua!


Vinicius de Moraes

29 de janeiro de 2007

I Never Talk To Strangers


Stop me if you've heard this one
I feel as though we've met before
perhaps I'm mistaken
but it's just that I remind you
of someone you used to care about
but that was long ago
do you think I'd fall for that
I wasn't born yesterday
besides I never talk to strangers anyway

I ain't a bad guy when you get to know me
I just thought there ain't no harm
hey just try minding your own business
bud who asked you to annoy me
with your sad repartee
besides I never talk to strangers anyway

your life's a dimestore novel
this town is full of guys like you
and you're looking for someone to take the place of her
and you're bitter cause he left you
that's why you're drinkin in this bar
well only suckers fall in love
with perfect strangers

it always takes one to know one stranger
maybe we're just wiser now
and been around the block so many times
that we don't notice
that we're all just perfect strangers
as long as we ignore
that we all begin as strangers
just before we find
we really aren't strangers anymore

Tom Waits

"San Diego Serenade"


I never saw the morning 'til I stayed up all night
I never saw the sunshine 'til you turned out the light
I never saw my hometown until I stayed away too long
I never heard the melody, until I needed a song.

I never saw the white line, 'til I was leaving you behind
I never knew I needed you 'til I was caught up in a bind
I never spoke 'I love you' 'til I cursed you in vain,
I never felt my heartstrings until I nearly went insane.

I never saw the east coast 'til I move to the west
I never saw the moonlight until it shone off your breast
I never saw your heart 'til someone tried to steal,
tried to steal it away
I never saw your tears until they rolled down your face.


[Poema do, para mim, eterno Tom Watis]

27 de janeiro de 2007

Porto


Uma vista curiosa da ponte da Arrábida, Porto.

[Foto da Autoria de MBSilva]

26 de janeiro de 2007

No rescaldo do "dia de amigos", com uma explicação

Um amável anónimo, fez-me chegar, em comentário, a explicação ao postal "Dia de amigos". Transcrevo-o, na íntegra:
«...Ora a ver se consigo contribuir para algum (pouco) esclarecimento da situação: como de certo saberá o Carnaval está aí à porta!

Assim, nos Açores (não apenas em S. Miguel, aliás a Terceira é também sobejamente conhecida por estes festejos), algumas semanas antes do Carnaval (e a contar de Terça Feira de Carnaval, para trás) em cada semana (todas as 5ªs feiras, e sempre às 5ªs feiras) começam os preparativos para o Carnaval.

Desta feita, a abertura desta época é marcada pelo Dia de Amigos, na semana seguinte, o Dia de Amigas, seguido do Dia de Compadres e, finalmente o Dia de Comadres!

Resumindo, nada mais é do que o alargar da época Carnavalesca, sendo que por esta altura têm também inicio os chamados “Assaltos de Carnaval”, isto é, pequenas festas e bailes (de máscaras ou não, uns privados e outros já em clubes) que antecedem o grande baile que se realiza na noite de segunda para terça de Carnaval!

Por fim, as festas têm o seu encerramento marcado na grande Batalha das Limas.

Quanto à eventual participação de um/a “Streap Teaser”, ou outro/a, nestes jantares e festejos, não esqueça que o Carnaval é também associado como tendo origem no tempo de Baco, Deus do Vinho, e dos seus bacanais … por tal não será de estranhar, que marcando o Dia de Amigos o inicio destas festividades, assim o seja!»

25 de janeiro de 2007

Dia de Amigos

Hoje, em São Miguel (e tanto quanto julgo saber, apenas em São Miguel), comemora-se o "Dia de Amigos". Desconheço, apesar de ter procurado, a origem de tal comemoração (se é que tem de haver alguma explicação...). Os motivos, parecem-me óbvios e mais que legítimos, o puro convívio entre, claro está, amigos.

Julgo, no entanto, que as modernices terão levado ao desvirtuar da essência do ser do "Dia de Amigos", pois que raro é o jantar que não tenha, no cardápio e sobre-a-mesa, uma Streap Teaser no desempenho da da sua arte.

Para a semana, será a vez do convívio das amigas, sem homens à mistura, à excepção, claro está, do artista sobre a mesa.

Caros AMIGOS, um bom nosso dia!

Aborto e impostos

Uma outra opinião, a mesma razão.

24 de janeiro de 2007

ESMERALDA

«Da intolerância e da tirania da turba – o alegre caminho do totalitarismo»


Sobre outro tema da actualidade, partilho um texto de Pedro Mendes Lima, o qual subscrevo na íntegra.
«Este pobre Portugal, que não é assim tão diferente dos demais países à sua volta, é cada vez com maior frequência varrido por ondas de vibrante indignação. Calha sê-lo agora, uma vez mais, a propósito de uma miudita e dos acontecimentos judiciais conexos com o seu conturbado destino e o das pessoas que sucedeu envolverem-lhe a existência.

A questão merece, como poucas, algumas reflexões que relevam do concreto caso humano, evidentemente, mas que se extrapolam facilmente para ilustração da degenerescência ética e política de um povo e, muito em especial, das suas supostas elites culturais e sociais.

A crédito de uma exposição opinativa serena, creio ser de extrema utilidade estar alerta para os perigos da “indignação” fácil e pronta a usar - sob a máscara simpática dela ficam com frequência ocultas as fauces bestiais da intolerância. Para exemplo, como se fosse preciso, ocorre trazer à colação um recente facto da luta política do momento e que, da forma habitual, passou despercebido.

Um certo líder político partidário exprimiu a sua opinião sobre uma questão que vai ser submetida a referendo, em concreto e por miúdos dizendo que se uma determinada conduta, por ora criminalmente ilícita, representa (e na sua opinião representará) um mal objectivo, então não é por ser frequentemente levada a cabo em clandestinidade que deve ser descriminalizada, para que deixe de ser clandestina. Ilustrou o argumento com o tráfico de droga e outras malfeitorias. Uma outra dirigente partidária logo reagiu manifestando publicamente a sua... “indignação”, pois claro! Dispensou-se, está bom de ver, do rebatimento (obviamente possível) de tal argumentário, porventura contrapondo-lhe outras razões também decantadas pela lógica (como se faltassem). Talvez os mecanismos discursivos da intolerância e da opressão lhe não sejam alheios, mesmo no domínio do consciente e ao menos a julgar pelas manifestações históricas da ideologia que a dita senhora há longos anos assume; certa, no mínimo, é a vantagem que no tempo contado do espaço comunicacional dos media uma indignação fulminante de Vestal ultrajada proporciona, relativamente a um argumento racional que a multidão pela maior parte toma como obscuro... O que sobra, e a muita gente não importa, é a implícita relegação do adversário, que apenas usou um argumento, melhor ou pior mas racional e compreensível, para a categoria cada vez maior das pessoas que fazem ou dizem coisas vis e indignantes, podendo por isso ser desabrida e brevemente despenhadas pelas ravinas da ignomínia.

As ligações íntimas destas metodologias argumentativas, por assim chamar-lhes, com o totalitarismo, são coisa velha e relha, foram a matéria das indagações de muitos sábios e tema de grandes escritores, dos quais destaco apenas o grande Orwell, de quem tanto se fala mas que é tão mal conhecido. Fenómenos modernos como a political correcteness ou, para o que neste escrito interessa, a fúria indignada da multidão em relação a um assunto que manifestamente não domina nem está na sua natureza dominar, são manifestações epidérmicas mas reveladoras de uma corrente profunda de desagregação dos valores que tornaram a Polis apenas suficientemente refractária à barbárie da tirania. No que me respeita, trazem sempre à recordação, e respectivamente, a “novilíngua” e os colectivos “momentos de ódio a Goldstein” de «1984» - nunca deixa de surpreender, o valor heurístico e profético deste livro.

Quando refiro totalitarismo, mais do que mera ditadura ou até tirania, meço a palavra e procuro dar-lhe o seu real valor de uso, não o do seu constante abuso. O que está por baixo daqueles fenómenos e os motoriza não é um simples projecto social, organizado ou difuso, de imposição heterónoma de poder, é a vontade de conduzir a sociedade a uma uniformidade de pensamento, forçar o conjunto e cada um dos indivíduos a aderir activamente ao projecto social global e total, assumindo as linhas de força ideológicas que o caracterizem – fazer enfim o Homem Novo, alegre e acrítico papagueador das verdades produzidas pelos Grandes Irmãos do momento. A liberdade de consciência, a opinião livremente formada de cada um, a dissensão ideológica, tudo isso será no fim nada mais do que o fruto doentio de uma qualquer disfunção social, uma patologia a ser objecto de estudo dos sociólogos e dos psicólogos, reclamando assistência terapêutica quando não tratamento policial e judiciário.

Vindo então ao caso do momento, àquele que, referido na “novilíngua” agora em uso e conforme às últimas edições do “Dicionário”, tem apaixonado a opinião pública, comece por atentar-se no espectáculo com que a “tele-tele” do Estado brindou a Nação, certamente pela maior parte entusiástica. Em jeito de jacquerie moderna, desta feita não conduzida pelo sans cullote da gadanha e sem sangueiras, mas antes por uma mais pacífica apresentadeira televisiva, fardada em competente tailleur e de microfone em riste, teve lugar um linchamento da Razão. Uns puderam ser percorridos por frémitos de “debate público”, volúpias de “democracia participativa” e, em geral, vibrantes delícias de fulgurante empenho no “bem comum”; outros, muito simplesmente, tiveram medo. Como fui destes últimos, e confessando os meus débitos à virtude da coragem, não tive frieza (e nem paciência, já agora) de sofrer a coisa até ao fim.

Incompletos embora, os meus tormentos, ainda assim pesados, em conjunção com o que do “caso” já fui percebendo (e não seguramente pela “informação”), permitem-me algumas conclusões – nas quais deixo de fora a matéria da condenação de um sargento do Exército, pela simples razão que ignoro se o crime era aquele que lhe valeu a pena, ou outro e qual, ou se a dita pena foi muita ou pouca e nem essas candentes questões são as que aqui me importam.

Um cidadão (homem, e por isso predisposto à maldade), manteve um relacionamento aparentemente fugaz e porventura intermitente (talvez não exclusivo) com uma certa cidadã (mulher, e logo presuntivamente uma vítima da sociedade e/ou de circunstâncias adversas). Só por aqui, já podemos ver como o enredo está desde o seu tenro alvor a fazer-se propício à intervenção dos costumeiros campeões das “questões fracturantes”...

Desse relacionamento é gerada uma criança, única inocente segura desta estória, já que há indícios de o pai (além de ser homem, como sublinhei) não ser ou não ter sido ao tempo pessoa de hábitos sociais os mais recomendáveis e que a mãe (apesar de mulher) mais provavelmente ainda se fazia objecto dessa censura – nem falando (por agora) do que depois fez.

Fosse como fosse, o dito cidadão, um qualquer Baltazar deste nosso Portugal, sem as dignidades régias e mágicas que o nome possa sugerir, enveredou pela incompreensível atitude de duvidar da sua paternidade e, ofendendo a pudibunda sensibilidade da mãe e de quase todo o seu sexo, porventura admitiu que no chamado “período legal da concepção” o relacionamento da senhora consigo não tivesse sido marcado pela exclusividade. Animado por essa misógina e ofensiva ideia, dispôs-se apenas, o vilão, a reconhecer a criança como filha e assumir as correspondentes obrigações em se provando que era efectivamente sua filha.

Outros, por certo melhores e mais valiosos cidadãos do que este insignificante e maléfico Baltazar, em especial se estrelas da música pop ou do desporto forem, viriam nos sapatos dele a ser confrontados com a obrigatoriedade de cuidarem da criança, mesmo que a enjeitassem em definitivo, e não em forma condicionada; não foi essa a desdita do nosso Baltazar, que nem por isso ficou melhor. Adiante.

A mãe é que não esteve para delongas. Em poucas palavras e nenhumas trapaças, foi ao notário, reconheceu assinatura em título de doação de filho, e vai daí ofertou a insciente infanta, sem dúvida do seu sangue e da sua carne, a um casal de pessoas em tudo melhores que o dito Baltazar (apesar de uma delas ser homem). Estas receberam-na, acompanhada da documentação, e talvez convencidas de que o registo é mera condição de eficácia perante terceiros, não beliscando a validade da aquisição, começaram a cuidar carinhosamente da nova filha – não duvido por um segundo de que genuinamente amorosas e empenhadas no bem estar dela.

Porém, o destino, tecedor de mil ardis e inexorável, não calhou em esquecer o Baltazar. Com a lentidão própria destas coisas, o processo de averiguação de paternidade lá seguiu (do registo, feito pela mãe, só esta constava...) e na sua sequência os competentes exames lá comprovaram aquilo em que o nosso cidadão punha dúvida: a sua paternidade. Ora este, se bem o dissera melhor o fez – cuidou logo de perfilhar a criança (não foi necessária acção de investigação) e, mais ainda, de requerer regulação do poder paternal que dela lhe atribuísse a guarda. A mãe, não se imagina porquê e apesar da sua condição de mulher, não se terá apresentado como alternativa válida ao tribunal e, desse modo, o Baltazar lá teve, ao cabo de muitas voltas, aquilo que agora queria.

O tal casal é que não foi pelos ajustes. Indignado, ofendido na sua expectativa de prescrição aquisitiva de filha, foi recusando a entrega da pequena ao seu pai. Fundado na evidente prevalência da sua alta “paternidade” de afecto sobre a mera e baixa paternidade simplesmente biológica, argumentou, pouco mais ou menos, que o superior interesse da infanta era continuar consigo e, ao cabo de período deveras longo, lembrou-se de ir ter com os serviços de segurança social para desencadear mecanismos de adopção.

Por essa época, todavia, já do registo constava a incómoda paternidade biológica e já o Baltazar, de colmilhos afiados, reclamara a atribuição do poder paternal que mais tarde lhe veio a ser deferida. O que não impediu os serviços de segurança social de exprimirem o parecer de que a criança deveria ser confiada ao falado casal, com vista a adopção e porque com ele estabelecera significativa relação afectiva, sendo por outro lado alvo do desinteresse dos pais biológicos. A mãe, pobre vítima, coitada, mulher, porque decerto não podia cuidar da filha, e ao oferecê-la com alvará notarial até praticou um acto de amor, tão boas era as pessoas a quem a doou; o pai, esse homem, malandro, porque nem procurou os serviços. Minudências tais como o facto de esse procedimento não ser público nem publicitado, referidas no acórdão que condenou o garboso sargento, nada atenuam da torpeza do Baltazar: ele nem sequer procurou os serviços, logo votou à criança o seu desinteresse, habitual nos homens, e anda a perfilhar e a requerer regulações de poder paternal só para exprimir a sua insondável maldade.

O tribunal é que não quis saber de coisas. A filha é do Baltazar e o casal tem de entregar-lha. Destroçados, sempre preocupados em exclusivo com o superior interesse da criança, de boa fé ignorantes das formalidades devidas em trocas de filhos e nem por um momento tendo pensado em furar a fila dos candidatos a adopção deste país (tais baixezas não o movem), o sargento e a esposa não admitem a possibilidade de “devolver” a filha doada a non domino e não querem saber de transições e mecanismos de minimização dos traumas da transferência; a criança continuar consigo é o Bem, entregá-la ao mero pai biológico é o Mal, e nessa dicotomia não se hesita. Não entregam. Mudam de residência. Fecham as portas. Fogem. Em cima da criança é que o Baltazar, e já agora o tribunal ou a polícia, não hão-de pôr os olhos. E não põem, que a pequena está desaparecida, com a esposa do sargento.

Em tudo isto vão dois anos e meio e a criança ainda com sucesso está subtraída às garras do hediondo Baltazar, duvidante de paternidades. A “opinião pública” comove-se e indigna-se quando este honrado sargento vem a ser condenado pela insensível e inepta justiça em pena de prisão. E mais se indigna e comove quando se dá conta de que em causa está o amor de uns “pais adoptivos”, qualidade subitamente reconhecida ao sargento e à esposa, confrontado com a descartável paternidade “apenas” biológica do Baltazar, que a princípio até duvidou de ser pai. Razão principal proclamada: a criança está à tanto tempo com o casal (dois anos e meio furtada ao pai contra direito dito) que entregá-la finalmente seria já traumático para ela...

Sendo estas as causas eficientes da recente comoção pública, a culminar na aludida jaquerie televisiva, não sei o que nesta mais me perturbou. Por um lado, a multidão a espaços vociferante e a quem a Maria da Fonte de escala, com a habitual autoridade em fazer perguntas e exigir respostas capazes, arrancou sucessivos aplausos com punch lines mordazes, do estilo “então e a justiça em vez de aplicar as leis não devia ser mais humana nestes casos?” ou, mais subtis ainda, “mas enquanto os exames se faziam a criança precisava de comer, essa é que é essa!”. Por outro, cidadãos supostamente responsáveis e alegadamente sapientíssimos em matéria de infância a avançar em termos gerais propostas como a da prevalência da paternidade dos afectos sobre a biológica, meramente acidental. Por outro ainda, e o pior de tudo, o temor estampado no rosto e denunciado nas palavras de uns poucos que, como quem é oferecido em sacríficio, ousaram ainda assim dissentir das evidências ditadas.

Como disse, o que vi chegou-me. Já não tenho ilusões e nem remo contra marés, mas posso fazer duas observações, à reflexão de quem ainda saiba usar o cérebro:
Uma: a filiação adoptiva, que é um bem, não é (para já...) uma alternativa à filiação biológica, que é a natural – é subsidiária, isto é, um recurso de que se lança mão quando a biológica não corresponde ao padrão mínimo exigível;
Duas: se quem faz a constituição e as leis assim o quiser, pode ser alternativa, e pode até já imaginar-se que quem quer ser pai vai ao hospital e traz de lá um filho, seu ou de outro tanto monta, e mesmo que não tenha feito nenhum. Ao fim e ao resto a ligação biológica não é relevante e os “piores” pais (os mais feios, porcos e maus – e porque não dizê-lo, pobres) é que ficam sem crianças.

Há muitos anos, Aldous Huxley congeminou uma coisa parecida no memorável «Brave New World». Tenho dúvidas de que muitos ou a maior parte dos que agora se “indignam” quisessem realmente viver num país assim.

Eu não quero.»

23 de janeiro de 2007

Apenas uma opinião...

No seguimento do postal anterior e de uma discussão que por aqui e por aqui tem corrido, e onde tive o prazer de deixar a minha opinião, transcrevo aqui um dos comentários que por lá deixei:

Se querem levar a coisa para o estritamente legal, importa fazer aqui uma pequena destrinça.
O Direito Penal protege bens jurídicos. Sejam eles, a vida humana, a vida intra-uterina, a integridade física, a honra, o património, o estado de direito, a vida em sociedade, etc, etc... basta dar uma vista de olhos pelo índice de um qualquer Cód. Penal Português.
O bem jurídico protegido pelo crime de "Aborto" (art. 140.º do Cód. Penal), não é a vida Humana - entendida como vida humana autónoma, que se inicia com o nascimento completo e com vida (art. 66.º do Cód. Civil). O que se protege naquele art. 140.º do Cód. Penal é a vida intra-uterina. O Aborto não pode, de modo algum, ser equiparado ao crime de homicídio. Os bens jurídicos protegidos por uma e outra condenação são diferentes e distintos (cfr. art. 131.º e 140.º do Cód. Penal).
Não se misturem alhos com bugalhos.
Até os fundamentos axiológicos que levam à protecção de um e outro são, de todo em todo, distintos e inconfundíveis. É preciso coerência, sem dúvida, mas não misturando no mesmo saco coisas que nada têm a ver. Que tem um homicídio a ver com um aborto?
Quem defende a interrupção voluntári da gravidez, não pugna pela pena de morte. Afirmar isso é pura desonestidade intelectual, desculpem-me, mas “O cu nada tem a ver com as calças”.
Curiosamente, muitos do que se dizem contra o aborto são, precisamente, a favor da pena de morte. Vá-se lá entender…
Também quem defende a interrupção voluntária da gravidez defende, ao mesmo nível, precisamente que se deve apostar numa educação cívica e sexual. Ninguém defende o aborto como meio contraceptivo.
Das duas uma: ou não percebem os argumentos, ou não os querem perceber. No primeiro caso, não me parece que tenham grandes razões, pois eles são claros. No segundo caso, lá está, entramos numa discussão de surdos e absolutamente inútil.
Todos os dias, nos tribunais, a sociedade compactua e pede a privação da liberdade de algum dos seus membros, por isso, não me parece grande argumento esse… Até quem se mostra contra a interrupção voluntária da gravidez, compactua e pede, precisamente, a privação da liberdade para quem a faz.
Cara Idiossincracias, agora deixou-me algo baralhado: então é contra a interrupção voluntária da gravidez, mas a favor da eutanásia? E onde para, então, a inviolabilidade da vida humana pugnada pelos defensores do NÃo!?
Como vê, não se pode confundir as coisa. A pena de morte, não é igual a um aborto. A interrupção voluntária da gravidez não é um homicídio. São coisas totalmente diferentes. E metê-las na mesma discussão, só traz confusão.
O Estado, ao permitir a interrupção voluntária da gravidez, não está a "branquear" ou a legitimar que se pratiquem homicídios. Está apenas e tão só a proteger outros bens jurídicos. Aqui chamo a colação e faço minhas, integralmente, as palavras de MBSilva. Em última instância está precisamente a proteger, por antecipação, o nascituro (que não pediu para ser concebido, mas se o foi terá o direito de exigir condições para viver, carinho, uma família estável e equilibrada), de levar ou viver uma vida sem condições, sem dignidade suficiente.
Não pretendo fazer ninguém mudar de ideias. Pretendo apenas que se discuta a questão com um mínimo de inteligência e honestidade.

No mais, subscrevo o texto aqui publicado.

22 de janeiro de 2007

Sou pela liberdade de escolha!



Ana tiene quince
niña se le vino un problemón
algo está creciendo
en su vientre hay algo en expansión
el culpable ya huyó
pobre Ana sola se quedó
no le duele tanto eso
si no que lo niege el maricón

Ana no lo cuenta
Ana llueve llanto en su colchón
y hay que ser discreta
ropa suelta esconde la ocasión
Se siente morir
pobre Ana no quiere vivir
si en casa la descubren
la corren, la azotan, la matan

Ana se irá algún día,
se irá para siempre
Ana se irá de este mundo
se irá al jamás
Ana se irá algún día,
se irá para siempre
Ana se irá de este mundo
se irá al jamás

Por cierto en casa de Ana
claro nunca hubo comprensión
lo que más lamenta Ana
es que nunca hubo educación
Y en desesperación
la vida de Ana se esfumaba
y todo porqué aquél día
el globito y la conciencia
se quedaron en un cajón

Ana se irá algún día,
se irá para siempre
Ana se irá de este mundo
se irá al jamás
Ana se irá algún día,
se irá para siempre
Ana se irá de este mundo
se irá al jamás
se irá, se irá, se irá al jamás

Letra e Música de Maná


Pela liberdade de escolha, sim! Mas também pela aposta em medidas preventivas, nomeadamente, ao nível da educação cívica e sexual.

1 de janeiro de 2007

Beatriz

Olha 
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da actriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida....

Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da actriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva para sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ah, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da actriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida