18 de janeiro de 2008

Políticas para a (in)Justiça

Transcrevo, aqui, um comunicado da Associação Nacional dos Jovens Advogados (ANJAP), com o qual não posso deixar de concordar por completo e que tem por objecto a Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, que veio regulamentar nova lei do apoio judiciário (ou se preferirem, o regime de acesso ao direito e aos tribunais), aprovada pela Lei 34/2004m de 29 de Julho, recentemente alterada pela Lei 47/2007 de 28 de Agosto. Portaria esta que vem estabelecer os honorários devidos aos Advogados pela sua participação no regime do apoio judiciário. Não deixa de ser, a portaria, o reflexo do que o que o actual Governo pensa dos Advogados, da actividade que desenvolvem, da qualidade do seu trabalho e do que entende que os mesmos devem receber como compensação pela sua actividade. E assim, o que o Estado vem propor aos advogados é uma avença para patrocínio dos que não têm posses, no valor de 340,00 €uros mensais por cada 50 processos. E por cada caso resolvido 50,00 €uros, se for pela via judicial, e 100,00 €uros, se não for preciso a realização de julgamento. Estes são os valores mais altos, já que se o número de processos for inferior, a avença, será de valor menor. As despesas, estão incluídas na avença.

Não posso deixar de ser, veemente, contra esta nova medida. Em grande medida pelo que fica exposto no comunicado da ANJAP. Mas essencialmente porque considero que o regime do apoio judiciário está mal pensado desde a base. E estas medidas não visam acautelar o que quer que seja. Nem o recurso à justiça (a uma boa justiça, a uma boa defesa) pelos mais desfavorecidos. Função que compete ao Estado e só a ele. Nem a justa compensação dos profissionais que dedicam e canalizam o seu tempo para o desempenho de funções alheias, muitas vezes com eventual prejuízo para a sua própria actividade.

Creio que a solução, a melhor solução, passaria pela criação de uma figura do defensor público, ou gabinetes de defensores públicos. Alguém que, em regime de exclusividade se dedicasse a assegurar a defesa de quem, hoje, recorre ao regime do apoio judiciário. Gabinetes que poderiam ser ocupados por advogados, em regime de exclusividade, um pouco à laia dos solicitadores de execução. São solicitadores, inscritos na Câmara dos Solicitadores, mas só podem tratar das execuções. O mesmo se passaria com os defensores públicos, seriam advogados, inscritos na Ordem dos Advogados, mas que se dedicassem em exclusivo a essa actividade, e remunerados pelo Estado. 

Como referi, é ao Estado, e só a ele que compete assegurar o acesso ao direito e á justiça de toda a população. Não pode o Estado livrar-se desse encargo, impondo-o a outros, e, ainda por cima, não lhes pagando a justa compensação. Porque das duas uma, ou o Estado paga mal, porque os advogados fazem um mau trabalho, e neste caso então a função de acesso ao direito e á justiça não está a ser cumprida. Ou o Estado entende que essa função é bem desenvolvida pelo Advogados e é exigível que a remuneração seja justa e equivalente ao trabalho desenvolvido. É que não nos podemos esquecer que um advogado vive dos clientes que vai conseguindo angariar para o seu escritório. E muitas vezes, o patrocínio judiciário vem ocupar espaço e tempo que deixa de estar à disposição dos clientes que vai angariando. É o tempo que o Advogado passa fora do escritório num julgamento no âmbito do patrocínio judiciário em que pode estar a perder potenciais clientes, é o tempo que deixa de dedicar ao estudo de assuntos de clientes. São tudo custos que o patrocínio oficioso não contempla, mas que se for um cliente normal, esses custos estão contemplados (ou podem ser) nos honorários a cobrar.

Esta portaria é uma afronta, do meu ponto de vista, ao Advogados e à função que lhes está, na estrutura social e judiciária, atribuída. Há péssimos profissionais forense? Claro que há, uns que até nem deviam intitular-se Advogados, mas isso não é diferente dos que se passa com os Juízes, os Magistrados do Ministério Público, os Funcionários Judiciais, os deputados, etc..

Eu, enquanto profissional do foro, sinto-me vexado com esta portaria. Entendo ser um total desrespeito à minha função e ao trabalho que tenho vindo a desenvolver, e nessa medida vou aderir ao protesto proposto pela ANJAP, quanto mais não seja porque já vivi e sofri de perto as situações e agruras que são descritas no texto.


Segue, o texto do comunicado.


COMUNICADO DA DIRECÇÃO REGIONAL DOS AÇORES DA

ANJAP – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JOVENS ADVOGADOS PORTUGUESES

 

A Portaria que agora procede à regulamentação da Lei do Apoio Judiciário que entrou em vigor no passado dia 1 de Janeiro de 2008, não obstante só ter sido objecto de publicação em Diário da República no dia 3 de Janeiro do mesmo ano, consubstancia um dos maiores atentados ao direito, que todos os cidadãos têm, de aceder à Justiça e aos Tribunais, independentemente das suas condições económicas.

A legislação aprovada não corresponde aos anseios dos jovens advogados nem às premissas de um verdadeiro Estado de Direito Democrático. Mais uma vez, no que à Justiça diz respeito, fica adiado o Portugal solidário, moderno e civilizado.

Aliado ao aumento das custas judiciais que veio prejudicar o livre acesso à Justiça a milhares de cidadãos e de pequenas empresas, esta tentativa cega e desastrada de resolver a falta de rigor e critério que caracterizam as actuais decisões da Segurança Social para quem merece, ou não, o benefício de apoio judiciário, vem marcar de forma original o sistema judicial português, dividindo a Justiça em três patamares: a Justiça dos miseráveis, gratuita, a Justiça dos ricos, acessível, e a Justiça de uma imensa classe média, difícil, impossível em alguns casos, desmotivante na maioria e injusta.

Há muito que a Associação Nacional dos Jovens Advogados Portugueses vem pedindo uma nova Lei do Apoio Judiciário, justa na concessão do benefício, equilibrada face às características sociais e económicas do nosso país e com as regras e procedimentos que permitam o pagamento dignificante e atempado dos serviços prestados por advogados e advogados-estagiários nesse âmbito.

A ANJAP/Açores rejeita frontalmente as soluções preconizadas pela nova Portaria que atacam os princípios constitucionais de acesso ao direito por parte do cidadão. Como agravante, quase que por capricho, a nova Portaria vem ainda determinar uma redução substancial dos honorários a pagar pelos serviços prestados pelos respectivos advogados, pondo em causa um patrocínio dignificante e eficaz (pode chegar, imagine-se, aos € 6,40 e aos € 50 por processo).

Mais, entende agora a nova Portaria a inclusão no valor desses honorários das despesas efectuadas pelos advogados, o que, sendo inaceitável como princípio, se torna mais grave face ao valor irrisório proposto.

Para além do mais, a metodologia agora adoptada em nada se coaduna com as características geográficas e específicas do Arquipélago dos Açores, pelo que o preenchimento de «lotes de processos» por cada advogado nunca será viável e praticável, com excepção das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, pelo que, e por maioria de razão, o apoio judiciário corre risco de paralisar na Região Autónoma dos Açores, pondo em causa o acesso ao direito por parte de milhares de cidadãos.

A portaria viola a Lei 15/2005, de 26.01.2005 (o nosso Estatuto), nomeadamente o disposto no artigo 100.º, nºs 1 e 3, que prevê uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamenteprestados pelo advogado a qual deve ter em linha de consideração a importância desses serviços, a dificuldade e urgência do assunto, grau de criatividade intelectual da prestação, resultado obtido, tempo gasto, responsabilidades assumidas e demais usos profissionais.

 

 A Justiça em Portugal tem cada vez menos vergonha de ser devedora de milhões de euros a Advogados, Magistrados, Funcionários, Solicitadores e Peritos. A Justiça em Portugal ganhou o gosto ao escândalo, à vertigem mediática e tem olvidado à comunidade que deve servir.

Neste seguimento, e uma vez que o preenchimento dos lotes de processos referentes ao patrocínio oficioso depende da livre iniciativa dos advogados, concorrendo aos lotes de processos correspondentes, defendemos que todos os colegas devem abster-se de aceder aos mesmos, impossibilitando o Conselho Distrital dos Açores da Ordem dos Advogados de proceder às respectivas nomeações.

Acresce ainda que, em reunião mantida no passado dia 16.01 no Ministério da Justiça, foi clara e objectivamente referido aos representantes da ANJAP que a nova Portaria que regulamenta a Lei do Apoio Judiciário é, de facto, um erro no que se refere à sua aplicabilidade na Região Autónoma dos Açores, atendendo às especificidades geográficas inerentes.

A ANJAP/Açores não esquece o seu papel de intervenção e alerta e não desiste da construção de uma Justiça melhor para Portugal e para os Portugueses.

 

O Presidente da Direcção Regional dos Açores,

Francisco Abreu dos Santos