30 de dezembro de 2011

O tão português caso da pastelaria

"Faltam quatro dias para acabar o ano e escasseia tempo para resolver o problema da dívida, mas ainda conseguíamos resolver o problema da pastelaria Ibérica, em Lamaçães, Braga, na Rua Dr. Carlos Lloyd Braga, junto à rotunda. Nunca lá fui, à pastelaria, mas por estes dias ela tem vindo ter comigo, assim, simplesmente pastelaria de Braga, sem nome nem endereço. Uma "pastelaria de Braga", como disseram todos (!) os jornais, é sujeita, pela GNR, a um controlo apertado do horário de trabalho. Quando abriu há três anos, tinha horário das 07.00 à meia-noite, mas sofreu uma providência cautelar por parte de um morador do prédio, magistrado do Ministério Público, e o tribunal encurtou o horário para as 09.00-21.00. Segundo o dono da pastelaria, Sérgio Lima, a GNR não larga a porta, bastando dois minutos de demora no fecho para o levarem ao posto no Sameiro e lavrarem o auto de notícia, onde perde uma hora. Parênteses: porque será que o nome da pastelaria não é escrito? O nome do dono conhece-se, o posto da GNR também, que receio agónico terão os jornais em dizer o nome da pastelaria? Por assinalar o prédio e quem lá mora? Fim de parênteses e voltando ao meu problema por resolver: 16 autos em três meses dá mais que um por semana. Um tal zelo da GNR revela uma influência que eu não tenho, mas alguém tem. Era isso que eu pedia para se resolver em quatro dias: dizer ao posto da GNR do Sameiro que os portugueses são todos iguais."
(Ferreira Fernandes, in Diário de Notícias, 28 de Dezembro de 2011)

27 de dezembro de 2011

"Barcelona, diciembre de 1957
Aquel año a la Navidad le dio por amanecer todos los días de plomo y escarcha. Una penumbra azulada teñia la ciudad, y la gente pasaba de largo abraigada hasta las orejas y dibujando con el aliento trazos de vapor en el frío. Eran pocos los que en aquellos días se detenían a contemplar el escaparate de Semper e Hijos y menos todavía quienes se aventuraban a entrar y perguntar por aquel libro perdido que les había estado esperando toda la vida y cuya venta, poesías al margem, hubiera contribuído a remendar las precarias finanzas de la librería. (...)"
"El Prisionero del Cielo, Carlos Ruiz Zafón"

16 de dezembro de 2011

Um esclarecimento à auditoria e a alguns comentários sobre ela


1. Sabe-se de comentários pouco esclarecidos, alguns vindos de procuradores e juízes, a propósito do assunto dos honorários e da auditoria realizada, e de onde parece transparecer a ideia de que um advogado oficioso é soberbamente remunerado pelo seu trabalho.
Como a minha mãe me ensinou, há que apreciar as coisas com a devida distância, parcimónia e não entrar em exageros e generalizações, que, além de injustas, podem, demonstrar ignorância ou, até mesmo, desonestidade intelectual.
É verdade que em alguns casos isso aconteceu. Esses casos são, precisamente, os detetados na auditoria. São casos de fraude, cometida por advogados menos sérios, que devem ser investigados e exemplarmente punidos disciplinar, criminal e civilmente.
Mas, não se caia no erro fácil de tomar a parte pelo todo.

2.Não se trata de discutir se os números foram muitos ou poucos. Fosse um só o caso detectado e seria igualmente grave e vergonhoso para a classe.
Há advogados desonestos, diferentemente de outros, não temos ilusões. Tal como haverá profissionais desonestos em qualquer área profissional.
No caso em apreço, verdade é que a grande maioria, não é, nem de perto nem de longe, verdade. Estou certo desta afirmação.

3. Mas vamos a factos e a contas (foi assim que a minha mãe me ensinou a discutir).
Considerando, então, por exemplo e para facilidade de exposição, os processos que correm termos num qualquer Tribunal de Família e Menores do país:
- Por divórcio litigioso, um advogado recebe, por processo, 535,50€;
- Por processo de jurisdição de menores, 467,25€;
- Por processo de inventário, entre 535,50€ e 3.213,00€, em função do quinhão (estando nós a falar de processos de apoio judiciário, logo de pessoas de parcas posses, dificilmente os valores sobem acima do mínimo).
Para que um advogado oficioso recebesse por ano mais do que um magistrado, seja ele judicial ou do Ministério Público, só em oficiosas, era preciso que tivesse, pelo menos dois a três processos de cada por mês, todos os meses do ano, isto é, por ano qualquer coisa como 24 divórcios, 24 tutelares educativos e 24 inventários. Curiosamente, sensivelmente o mesmo número de processos que, por ano, foi considerado deveriam ser acometidos, anualmente, a cada magistrado.

4. Acresce a isto que, um juiz e um procurador recebem, por ano, 14 salários e recebem-no, sempre, mensalmente no dia 21, tenham eles concluído ou tramitado 1 ou 1000 processos por ano ou por mês. Também não deixam de receber o seu salário, mesmo que os não concluam, seja porque estejam de baixa, seja porque, pura e simplesmente, não queiram trabalhar.
O advogado, cumprindo a função resultante da sua nomeação só recebe os seus honorários, por regra, com uma decisão que ponha termo ao processo, com o trânsito em julgado do processo. Até lá, não recebe nada. E quando recebe é tarde e com atrasos superiores a 6 meses.

5.Depois, parecem os críticos esquecer a ideia que o acesso ao direito e aos tribunais é um dever do Estado, não do Advogado. Ou se não a parecem esquecer, parecem querer passar a ideia de que o Advogado é um ser desinformado, desqualificado, que bem podia ser substituído por um qualquer sapateiro ou taxista (sem qualquer desprimor para estas profissões).
O Advogado é um profissional, como qualquer magistrado, que estudou nas mesmas faculdades, e se sujeitou a provas e, em princípio, mostrou ter conhecimento suficientes para merecer a carteira e pertencer à classe. Tal como qualquer magistrado. Não cabe aqui tecer comentários à formação de uma e outra das classes, pois em ambas, deixam algo a desejar.
O Advogado, na administração da justiça é tão ou mais importante que um juiz ou um procurador. É-lhe devido o mesmo respeito e consideração. E merece receber justa compensação pelo seu trabalho, seja ele prestado no Apoio Judiciário, ou em clientela própria.
Gostem ou não alguns magistrados, juízes e procurados, tão ou mais honrosa e importante é a função do Advogado, como a que os próprios desempenham. Tenho para mim, e cada vez acredito mais na ideia de que o Advogado é o último bastião da justiça e deve ser impenetrável. É o último garante e responsável por impor a sua aplicação e pela sua defesa, contra tudo e todos. Para isso, tem o dever de desempenhar a defesa do seu cliente de forma responsável, competente e seria, recusando a defesa de causas injustas, ou dificultando ou protelando injustificadamente a aplicação da justiça com expedientes meramente dilatórios.

6. Agora, se a discussão for, em relação aos honorários fixados na tabela e em que há processos em que o advogado recebe um valor injustificado em relação ao trabalho que tem, é verdade e concordo.
Não se justifica que um advogado, num tutelar educativo receba 467,25€ para estar presente num interrogatório do menor no MP do Tribunal de Família, pois raros são os processos que chegam a julgamento.
Como é injustificado que o advogado receba num processo sumaríssimo (crime) 178,50€, para receber uma acusação e arquiva-la numa pasta, pois na maioria dos casos não há oposição.
Concordo que seja necessário alterar isto e, defendo, até, alteração da portaria no sentido de serem criados novos escalões retributivos.

7. Em conclusão:
Os tempos estão muito agitados e do nada, rapidamente, se faz uma tempestade ou se descobrem escândalos. Os tempos pedem serenidade, inteligência, ponderação e justiça e procura pela verdade. Cada vez mais se deve saber distinguir o igual do diferente, e tratar igual o igual e diferente o diferente.

Mater mea docuit
.

O patrono oficioso,


J. Tavares Ribeiro

Advogado
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