25 de maio de 2010

A Comissão e as escutas

Do "Sine Die", um blogue de referência, retiro este pequeno e elucidativo texto, de um ilustre Magistrado Judicial, Dr. Pedro Soares de Albergaria, sobre a questão da possibilidade de utilização ou não das escutas na Comissão Parlamentar que procura "julgar" José Sócrates.

"19 de Maio de 2010

Um para-disparate

Quem, como eu, julga que a vinculação dos poderes soberanos à Lei e à Constituição é a marca de água de um Estado de Direito só pode ficar boquiaberto com a utilização de escutas telefónicas fora de um contexto criminal e por quem não está a isso autorizado, pela Lei e pela Constituição da República (CR). Nada pode irritar mais do que serem representantes da Nação, os legisladores por antonomásia, a desrespeitar a CR. A discussão em redor da admissibilidade do uso, por aqueles, de escutas provenientes de um processo criminal (pois, de onde mais podiam provir?) e no âmbito de um inquérito parlamentar, tenha este a oportunidade e mérito que tiver, é discussão apenas para quem já se dá ao luxo de prescindir dos dados normativos para fazer vingar uma posição que só pode sustentar-se com apelo a cambalhotas hermenêuticas incapazes de esconder meras simpatias partidárias.

Tenho como límpida a redacção do artigo 34.º/4, da CR, que veda o uso de escutas telefónicas fora de processos criminais. Elevar um vago “esclarecimento da verdade” acima do respeito que é devido à CR é espezinhar o Texto Fundamental, pois não se deve (não se devia) esquecer que aquela mesma já contém uma ponderação, um balanceamento, sobre o modo como se resolve a tensão entre o fim da descoberta da verdade e o uso de meios probatórios manifestamente invasivos da esfera privada (ou mesmo da esfera íntima) e compressores de direitos fundamentais sortidos como o direito à não auto-incriminação e o direito à palavra falada, só para mencionar alguns dos mais evidentes: só no processo penal e ainda assim com pressupostos muito apertados, o conteúdo daqueles pode ceder, e apenas na medida do necessário (artigo 18.º/2, da CR), àqueloutro objectivo de indagação da verdade.

Nem se diga, como por vezes se diz, que de acordo com o Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (artigo 13.º/3, da L 5/93, com alterações) “as comissões podem, a requerimento fundamentado dos seus membros, solicitar (…) às autoridades judiciárias (…) as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito” e que aquelas comissões têm uma natureza para-judicial, tudo como modo de legitimar o acesso ao resultado de escutas telefónicas. Ali porque o que é útil nem sempre é justo, no sentido de que não se deve sobrepor a princípios, também eles de valia constitucional, que protegem direitos fundamentais (p. ex., o citado artigo 34.º/4, da CR) - de resto, é a lei dos inquéritos parlamentares que deve ser lida à luz da CR e não o contrário, sob pena de colocarmos o princípio da interpretação conforme à Constituição de pernas para o ar; aqui porque aquela natureza para-judicial não equivale a natureza … judicial: assim como a comissão não pode prender também não pode usar escutas telefónicas, porque isso resulta de modo ao menos implícito da CR. Breve, aquelas são justificações frustres e demasiados genéricas para a inverter o sentido objectivo do artigo 34.º/4, da CR.

A última coisa que precisamos, depois da escorregadela futeboleira, é de uma escorregadela parlamentar em matéria de escutas telefónicas. Estas suspensões avulsas e aparentemente anódinas do Texto Fundamental são um dos maiores perigos para a democracia e para o Estado de Direito. Na voragem mediática e na obsessão mórbida pelos fait-divers político-partidários, o povoléu parece não se incomodar. Até ao dia…

Publicado por Pedro Soares de Albergaria (23:56)"

20 de maio de 2010

Plano de Austeridade

Deixo aqui, a quem interessar, algumas medidas que poderão contribuir para a recuperação económica do país.

1.º- Redução, em 30, do número de deputados da Assembleia da República:
Em média, e se a memória não me falha, um deputada ganha, por mês, qualquer coisa como 3.750,00 € (fora ajudas de custo e outras regalias), o que significa que cada deputado custa ao Estado Portugês, por ano, qualquer coisa como 52.500,00 €. Multiplicando isso pelos 30 deputados, temos que por ano conseguia-se poupar qualquer coisa como 1.575.000,00 €. Estou a fazer as contas por baixo, com referi. Será, MESMO, necessário uma assembleia com tantos deputados?

2.º- Redução, em metade, dos Secretários de Estado, Directores, Sub-Directores, Acessores, etc.:
A quantidade destas figuras que existem nos Ministérios e Direcções, se fosse reduzida a metade, seguramente que se conseguiria poupar outro tanto.

3.º- Eliminação dos Institutos Públicos:
Portugal é pródigo em Institutos Públicos. Uns conhecidos de todos, outros nem tanto. Cada um deles alberga Directores, Sub-directores, Acessores de Direcção, Acessores de Departamento, etc.. Em tempos como os que se vivem, valerá a pena manter e sustentar toda esta gente? Serão estes institutos verdadeiramente essenciais? Se sim, mantenham-se, se não, eliminem-se ou entreguem-nos ao sector privado.

Destas medidas lembrámo-nos ontem, durante um almoço entre amigos. Outras haverá.
Seguramente que com todas elas conseguir-se-ia poupar uns bons milhões de euros, que bem falta fazem.

8 de maio de 2010

Para que conste

Após ter publicado o postal de ontem, deixei um comentário na notícia em causa alertando para a incongruência entre o título da notícia e o teor da notícia, e alertando para que se seja um pouco mais rigoroso na transmissão das notícias e que, às vezes, não faz mal o jornalista procurar informar-se um pouco melhor sobre o que se propõe a falar a fim de evitar enganos e erros desnecessários.

Curiosamente, hoje reparei que o meu comentário/crítica havia sido, sem qualquer justificação, excluído da página do público.

Para que conste e ao contrário do redactor da notícia, o meu comentário estava devidamente identificado com o meu nome completo e o meu endereço de correio electrónico.

7 de maio de 2010

A Ética Jornalistica

Ainda sobre o tema dos últimos postais e a respeito de um comentário que lá foi feito, leio hoje no Público on-line a notícia com o título "Ministra da Educação Condenada por Desobediência", notícia não assinada pelo seu autor.

Lendo o teor da notícia, nada mais poderia estar mais em desacordo com o título da mesma.

O título sugere que a ministra foi arguida num processo crime por ter desobedecido a uma ordem.

Afinal não fo nada disso.

Afinal quem foi "condendado" foi o Ministério da Educação e não num processo crime, mas numa providência cautelar apresentada pela FENPROF, relativamente à suspensão da avaliação dos professores e, ainda, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.

Em suma, nem a ministra foi condenda, nem houve qualquer desobediência.

Um claro exemplo, não só do que se tem vindo a dizer por aqui, de mau jornalismo, mas também de como o atrevimento do ignorante pode levar a enganos e erros desnecessários.

6 de maio de 2010

Ainda a liberdade de expressão

Vem este postal a propósito dos dois últimos e no seguimento da "polémica" do dia relacionada com a entrevista da Sábado ao Dr. Ricardo Rodrigues.

A história deste caso, segundo consegui perceber, foi a seguinte: a Sábado convida o Dr. Ricardo Rodrigues para uma entrevista. A meio da entrevista os jornalistas desatam a fazer perguntas ao entrevistado relacionadas com casos judiciais em que o mesmo foi interveniente como Advogado num, e noutro, em que o Jornal Expresso o denuncia como eventual suspeito.
Processos que estão, desde há muito finalizados e terminados.

Manifestamente incomodado, o Dr. Ricardo Rodrigues recusa-se a responder e faz um aviso aos entrevistadores de que ou mudam o rumo da conversa ou a entrevista termina. Não obstante, um dos jornalistas fazendo uma pergunta não se coibe de afirmar qualquer coisa do género "no caso da pedofilia dos Açores, tanto quanto sei o Sr. Deputado nem sequer foi investigado", face ao que o entrevistado levanta-se e abandona a entrevista levando consigo os gravadores.

Dará esse direito (o da liberdade de expressão ou qualquer outro) cobertura ao jornlistas para assediarem os seus entrevistados? Para procurarem, em cada entrevista, o escandalo e a intriga, a qualquer custo, violando se caso for a integridade moral dos envolvidos, mostrando total imparcialidade perante os factos e não se coibindo de fazer comentários depreciativos, insutuosos ou de suspeição? Mesmo depois de lhes ser solicitado que abandonem esse tipo de questões?

Que este episódio representa um exemplo de péssimo jornalismo, parece-me que não haverá dúvidas. É um tipo de "jornalismo" iniciado por Manuela Moura Guedes no seu jornal, em que o entrevistado é chamado para ser achincalhado e enxovalhado na praça públicam ou o praticado por Felícia Cabrita.

Mas é para isto que existe a liberdade de expressão?

Não me canso de fazer esta pergunta, porque acho que estamos a chegar a um ponto tal em que o respeito pelo próximo é nulo ou inexistente. O que interessa é o escandalo, a denúncia seja ela falsa ou verdadeira, o criar a suspeição sobre tudo e todos, a de lançar a confusão, vale tudo menos procurar a verdade da coisa.

Sou solidário com o Dr. Ricardo Rodrigues, acho que esteve muito bem na sua actuação, face a uma violação do seu direito ao bom nome e consideração, usou do único meio que tinha para evitar e repelir essa violação.

3 de maio de 2010

Respondendo...

Em relação ao meu último postal e em resposta ao comentário alí, amavelmente, colocado por "MBSilva" do "Tecto do Mundo" parece-me que considerar-se que uma providência cautelar com vista a impedir a publicação, num jornal, do conteúdo de determinadas escutas viola a liberdade de expressão, é um perfeito disparate e um completo absurdo.

Penso que isso é um claro sinal dos tempos, da gravíssima crise de valores em que mergulhou a nossa sociedade.

Pretende-se incluir nesse direito fundamental da liberdade de expressão, constitucionalmente consagrado, a possibilidade de tudo dizer sem qualquer consequências. Pretende-se não um direito de livremente se dizer o que se pensa, mas antes um direito ao livre e inconsequente insulto. Ao livre e inconsequente achincalhar do próximo. À livre e inconsequente violação de outros direitos fundamentais como sejam o da reserva da vida privada, o direito ao bom nome ou o direito à imagem, tudo em nome de um direito maior, o da Liberdade de expressão. Pois que, aquele que achincalha, que insulta e desrespeita o próximo, a maioria da vezes justifica a sua actuação ou procura esconder a sua responsabilidade pelo que disse e afirmou publicamente nesse direito de liberdade de expressão.

Se alguém, sentindo-se ofendido ou vilipendiado, intenta acção judicial a evitar mal maior ou a perseguir quem o ofendeu ou vilipendiou, logo vêm os iluminados dizer "ai que horror que pretendem calar a liberdade e a livre expressão!".

O que mais me cria estupefacção é a necessidade de se ter de intentar uma providência cautelar para evitar a publicação de escutas, consideradas ilegais, e que por isso sob pretexto algum podem ser divulgadas. Maior espanto tenho quando, essas escutas são impunemente publicadas. Quando há clara violação do segredo de justiça, são conhecidos os seus autores, é conhecido o meio, essa actuação constitui crime e, mesmo assim, tudo se passa como se nada tivesse acontecido.

As escutas que foram publicadas são, no meu entender, apenas e só conversas privadas, e por isso protegidas pelo direito fundamental da reserva da vida privada.

Valerá o princípio da liberdade expressão mais que o direito à reserva da vida privada? Ao direito que qualquer cidadão tem a que as suas conversas privadas não sejam divulgadas sem o seu consentimento?

No fundo a sensação que tenho é que se pretende criar ou incluir no direito de liberdade de expressão o direito de se insultar e de se difamar terceiro. Para isso basta ver como, a cada dia que passa, o insulto e o desrespeito pelo próximo, se torna fácil e é o primeiro recurso numa discussão, num confronto de ideias. Seja na Assembleia de República, nas comissões parlamentares, no dia a dia entre os mais perfeitos desconhecidos, numa fila de trânsito, numa fila do supermercado.

Vejo isso, essa grave crise de valores morais e sociais, no mais simples gesto como seja o de não segurar a porta do centro comercial para o próximo que entra. Coisa que se vai agravando à medida em que os valores e de princípios em confronto são de conteúdo superior.

Tudo isto me faz muita confusão, porque tudo é feito às claras e em perfeita impunidade. A justiça é a primeira a desleixar-se consigo própria. É a primeira a deixar que a violem, a consentir nessa violação. É a primeira a tomar uma atitude passiva e desleixada. É a primeira a dar o passo para a sua própria descredibilização.

Não sei onde isto vai parar, nem se haverá solução. Ou sequer se há vontade em mudar. A cada dia que passa não vejo melhoras, não vejo ninguém a abordar os verdadeiros problemas da justiça, nem grande preocupação na discussão das possíveis soluções. Aqueles a quem é espectável e lhes é exigido alguma contenção e seriedade no cargo que desempenham, são os primeiros a meter os pés pelas mãos, a dizer o que não devem e a não dizer o que devem dizer, a demonstrar um perfeito amadorismo no desempenho das suas funções e preocurem-se e a darem importância ao que não devem e a descurar o que verdadeiramente importa.

No fundo, tudo isto não passa de desabafos de quem escolheu a justiça por profissão e que, a cada dia que passa, lhe custa cada vez mais acreditar nela.