11 de dezembro de 2010

Isto sim, é justiça

Se é verdade ou não, não sei, nem me parece que seja relevante. Se não o é, deveria ser.

I - Os factos:

Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, foram detidos sob acusação de furtarem duas melancias.

Apresentados em juízo, nos termos da lei processual penal brasileira, mereceu o caso o despacho que se transcreve:

II - O despacho judicial:

"(...)
AUTOS DO PROC Nº 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO:

DECISÃO

Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.

Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)...

Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário apesar da promessa deste presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz.

Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia....

Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?

Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.

Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.

Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo.

Expeçam-se os alvarás.

Intimem-se.

Rafael Gonçalves de Paula
Juiz de Direito

(...)"

23 de novembro de 2010

Do blog "sine die"

16 Novembro 2010

Desmotivação

Fiquei pasmado, como toda a gente, creio, com um despacho de um juiz que decidiu reduzir o seu “horário de trabalho” diário em duas horas devido à redução da remuneração no próximo ano. É que os juízes, como todos os magistrados como outras categorias profissionais, não têm horário de trabalho, o que significa que têm que assegurar o serviço a seu cargo, ainda que com algum sacrifício, enfim o sacrifício exigível. A invocação de “horário de trabalho” pelo dito magistrado mostra à saciedade que ele errou a profissão, que não passa de um burocrata mascarado de magistrado.
Mas, para além desse caso patológico, ouço falar de uma certa “desmotivação” por parte de muitos magistrados, desmotivação para manter o normal e habitual ritmo de trabalho. E isso espanta-me. É que os magistrados não trabalham para o Governo, nem sequer para o Estado. Eles trabalham directamente para os cidadãos, para o Povo. É precisamente isso que, no fundo, os distingue dos funcionários públicos.
É certo que é o Estado que lhes paga. E por isso é com o Estado (com o Governo, com a AR) que devem negociar o seu estatuto remuneratório e é “contra” ele que devem desenvolver as formas de luta admissíveis. Mas formas de luta assumidas frontalmente, não encapotadamente.
Reduzir o volume de trabalho, em retaliação contra o Estado, é afinal lesar os cidadãos, já penalizados pelos mesmos motivos.
Resumindo: motivação sempre a máxima, quer para trabalhar, quer para lutar pelos direitos estatutários e profissionais.

Publicado por Eduardo Maia Costa (22:48)

Do blog "direitos outros"

"Sábado, 20 de Novembro de 2010

A disfunção de uma greve

Há greves que não contam nem descontam. A do Ministério Público é uma delas. Trata-se de um gesto sem a força de um símbolo ou a motivação de uma ética. Pelo contrário: revela o delírio prosaico e acanhado de quem perdeu o sentido da sua própria função. O distanciamento, a serenidade e a coesão são os valores que alguns parecem estar apostados em destruir.

22 de novembro de 2010

Ainda a greve dos Magistrados

Trago para a "discussão" dos últimos postais, um postal antigo, mas não ultrapassado, do bolgue "A grande loja do Queijo Limiano". O seu autor, está identificado no fim do texto.

Juízes - a greve é lícita??

Mais do que saber se a greve dos Juízes deve ser considerada lícita, como defendem os opinantes citados neste post importaria, a meu ver, discutir se a dita é, ou não, um tremendo tiro no pé... Vista a questão pelo prisma estrito da licitude, a afirmação do CSM - aliás idêntica à dos Conselheiros sindicalistas que sobre a matéria costumam opinar - é tudo menos pacífica.

É certo que
os Magistrados são "profissionais de carreira que não dispõem de competência para definir as condições em que exercem as suas funções". Sem dúvida que tal lhes deve conferir direitos que são reconhecidos aos trabalhadores em geral. Mas não necessariamente todos os direitos. A especificidade da sua condição de titulares de órgãos de soberania pode, no respeito dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, determinar a limitação de alguns desses direitos. O que aliás pode acontecer e acontece noutras carreiras (militares, ...).

A greve de um órgão de soberania, a greve do poder judicial, não pode ser considerada conforme à Constituição, ao equilíbrio de poderes que esta institui ou ao funcionamento do Estado de Direito que pressupõe a permanente vigência de um poder judicial independente (imagine-se, por ex., os efeitos de uma greve prolongada nos direitos dos cidadãos...). A soberania não se suspende, é tão simples como isso.

Por outro lado,
a admitir-se a existência do direito dos Juízes à greve, teria de se admitir a (a meu ver impensável) possibilidade de, verificados os requisitos legais, se determinar a requisição civil de titulares de órgãos de soberania. Nessa parte, o blogger Vital Moreira - que há muito me fez esquecer o Mestre com o mesmo nome - tem razão. A condição de órgão de soberania não pode ser usada "a la carte", servindo para impedir a requisição civil por um lado, mas sendo desconsiderada, por outro, para legitimar o direito à greve. Em resumo: no meu fraco entendimento de obscuro jurista, a greve dos Senhores Magistrados é ilícita, embora lhes assistam outros direitos dos trabalhadores (incluindo o de associação sindical).

Mas, repito, a questão de fundo não é essa. Existem sem dúvida boas razões para a luta dos Magistrados - nem sempre as invocadas pelos sindicalistas ... - mas fazer greve, nestas circunstâncias, é fazer o jogo do Ministro, como já aqui se comentou.

Julgo também que, em quaisquer circunstâncias, os Senhores Magistrados teriam toda a conveniência em escolher formas de luta que não os "encostem", cada vez mais, à condição de funcionários. Mas cada um sabe a pele que quer vestir (e os sindicatos têm razões que a razão nem sempre consegue discernir).

P.S.O douto CSM parece considerar mais discutível e problemática que uma greve de Juízes a não comparência nos Tribunais de alguns Advogados, motivada pela participação dos mesmos no órgão estatutário máximo da respectiva Ordem, legalmente consagrado, como se deduz desta circular... (via Ciberjus).

Publicado por Gomez 12:23:00

11 de novembro de 2010

Afinal, o síndrome começa a afectar as duas Magistraturas

Um comentário "anónimo" alertou-me para o seguinte:

Ouviu-se hoje no telejornal da SIC (creio que SIC-Noticias) que o juiz de Alenquer, do 2.º Juízo, reagendou novos dias para julgamentos porque como vai perder, mensalmente 600€, tem de reduzir o horário de trabalho em cerca de duas horas! O mínimo que se pode dizer deste despacho é isto: Vergonhoso e Inqualificável. Espero que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) actue em nome da nobre função.


Sem dúvida que é vergonhoso e inqualificável. No entanto, desconfio que tal atitude e pensamento acabará por ter cobertura no dito C.S.M., e poderá tornar-se "moda" junto dos Magistrados mais "sensíveis" a este tipo de reivindicação.

Espero, profundamente, estar enganado...

Muito oca e irresponsável me parece ser, também, a justificação para a greve que João Palma (Presidente do Sindicato dos Ministério Público) vem apresentar no DN de hoje.

Os intervenientes judiciários (todos eles, sem excepção, Min. Público, Juízes e Advogados) são os primeiros a desconsiderar os cargos que desempenham e a contribuir para uma cada vez maior descredibilização da justiça que acabará irremediavelmente podre, e nem aqueles que toda a vida têm pautado a sua actuação e o desempenho das suas funções pelos maiores padrões de excelência e dedicação, isto é, os Verdadeiros Magistrados, escaparão à descredibilização.

*

(Explicação aos leitores mais sensíveis: não sou a favor das medidas tomadas pelo Governo "contra" as Magistratura. Não há justificação possível (tirando as apresentadas) para este tipo de medidas. É verdade que, também, os Magistrados são pessoas, que têm famílias, têm compromissos e contas para pagar. Sei e reconheço isso.

No entanto, os Magistrados não são funcionários públicos, não têm horário tabelado, não trabalham por objectivos, nem se enquadram, em ponto algum, nessa categoria.

A suprema função que desempenham impõe-lhes que não se considerem como tal, nem tenham o tipo de pensamento demonstrado no despacho supra referido.

Se entendem que os cortes nos salários e nos benefícios da função são injustos (como são), que não dignificam a função que desempenham (como é um facto), que função exige esse tipo de regalias (como efectivamente exige), então que levem a "luta" às instâncias devidas, usando desses argumentos. Não tragam a luta para a rua com argumentos de simples funcionário de balcão de uma repartição pública (sem qualquer desprimor para quem quer que seja).

Se entendem que esses cortes tornam indigna a função que desempenham, então que a deixem de desempenhar. Se optam por continuar a desempenhá-la, então que a desempenhem com o brio, dedicação e superioridade que ela exige e que lhe é inerente, contra tudo e contra todos. A boa justiça a isso obriga.

O que não me parece correcto é que, com este tipo de atitudes, se prejudique quem nada tem a ver com o assunto e que apenas recorreu aos tribunais para procurar uma solução para o seu problema.

Ao juiz e ao Min. Público exige-se serenidade no desempenho das suas funções. Quem tem este tipo de pensamento não é sereno nem ponderado e não poderá ditar boas decisões. À partida está a desempenhar as suas funções contrariado e revoltado, e quem sofrerá as consequências disso não serão os verdadeiros responsáveis, mas o responsável indirecto, o desgraçado que apenas resolveu apresentar o seu problema para resolução nas instâncias que tem por certas.


Este tipo de pensamento, ou a interiorização daquela atitude como um direito e como uma forma legítima de luta, por um Magistrado (seja ele do MP ou Judicial) é perigosa, muito perigosa, e, por isso, a todas as luzes indesejável).


9 de novembro de 2010

O Min. Público e o síndrome do funcionário público

Em algumas discussões num meio próximo tenho opinado que os Magistrados, ainda que sejam um órgão do Estado, não são funcionários públicos, na sua acepção mais ampla. A função que desempenham e os poderes que lhes estão atribuídos implicam, pela sua natureza e também por uma questão de estatuto, o seu distanciamento dessa qualificação - a de funcionários públicos. É por isso que entendo que as suas reivindicações não se devem «misturar» com as dos restantes funcionários públicos.

Não digo que não tenham direito a contestar as alterações que o Governo instituiu ou pretende instituir ao seu estatuto, as reduções das «regalias» de que gozavam e que o Governo lhes pretende retirar. Têm e devem fazê-lo, mas não ao nível da discussão que é feita pelos funcionários das repartições públicas.

Sobre o tema, deixo aqui, dois textos com os quais concordo em absoluto e traduzem, em parte, o pensamento que tenho sobre o tema.

Tirado do blog "CONFUNCIONÁRIO" e publicdo no dia 6.11.

Questões de pele

Quem não quer ser visto / tratado como funcionário não lhe veste a pele.

Os Magistrados, pelo estatuto em que estão investidos, não devem fazer greve, com a possível excepção de situações limite em que o recurso à “greve” constitua a única via de defesa das suas atribuições, competências e garantias constitucionais.

Independentemente da tese que se perfilhe quanto à licitude das greves de Magistrados (matéria sobre a qual mantenho esta opinião), há muitas outras formas de luta e de exercício do direito à indignação que podem ser usadas com vantagem a propósito de questões predominantemente “laborais”, salvaguardando as expectativas dos cidadãos quanto ao exercício, em permanência, dos poderes confiados às Magistraturas.


E esta tirada do bolg "Portadaloja"

A greve no MP que temos

Reproduzo integralmente um postal publicado no novel blog Confucionário, porque não é preciso dizer muito mais sobre a adesão à greve que esta tarde foi aprovada pela Assembleia do sindicato do MP, com mais de duzentos e quarenta votos a favor e apenas cinco contra. E uma abstenção.

Esta greve do MP é um erro grave e o clima de happening a que hoje se assistiu em Coimbra, em ambiente de típico "comité central", com alguns laivos de estalinismo, vai provocar ainda maiores danos à imagem pública do MP. Todos os magistrados presentes concordaram em que a greve nada iria resolver de concreto quanto às medidas de afronta que o governo tem feito aos magistrados. Mas ainda assim persistiram em mostrar adesão a tal forma de luta, por...solidariedade. O presidente do sindicato ainda disse que das forças políticas representadas na AR, o Bloco diz que sim ao MP e sintoniza muito bem com as posições do sindicato. O PCP é como deus com os anjos. Do PS nem falou. O PSD é de desconfiar. O CDS nem sequer responde aos convites. E é isto que temos como sindicato do MP. Depois admirem-se de uma certa personagem dizer publicamente que o sindicato actua como um pequeno partido político...

Quem ousa discordar da posição oficial do sindicato é mal visto, de soslaio, completamente desprezado quanto a razões que apresente, porque o sindicato apareceu com uma moção já preparada, com bastos "considerandos" e pronta a ser aprovada quase sem discussão reduzida a meia dúzia de intervenções avulsas, de inflamadas declaraçãoes laudatórias à "luta" que se impõe e justifica.
A votação foi de braço no ar com cartões visíveis e o ambiente era tipicamente o de uma aclamação e plebiscito a uma decisão prè-tomada pela direcção sindical. Uma vergonha.

E portanto , depois não se queixem.

3 de novembro de 2010

O «May be man»

Segunda, 01 Novembro 2010 13:04

MIA COUTO


Existe o “Yes man”.

Todos sabem quem é e o mal que causa. Mas existe o "May be man". E poucos sabem quem é. Menos ainda sabem o impacto desta espécie na vida nacional. Apresento aqui essa criatura que todos, no final, reconhecerão como familiar.

O "May be man" vive do “talvez”.


Em português, dever-se-ia chamar de “talvezeiro”. Devia tomar decisões. Não toma. Sim­plesmente, toma indecisões. A decisão é um risco. E obriga a agir. Um“ talvez” não tem implicação nenhuma, é um híbrido entre o nada e o vazio.

A diferença entre o "Yes man" e o "May be man" não está apenas no “yes”. É que o “may be” é, ao mesmo tempo, um “may be not”.

Enquanto o "Yes man" aposta na bajulação de um chefe, o "May be man" não aposta em nada nem em ninguém. Enquanto o primeiro suja a língua numa bota, o outro engraxa tudo que seja bota superior.

Sem chegar a ser chave para nada, o "May be man" ocupa lugares chave no Estado. Foi-lhe dito para ser do partido. Ele aceitou por conveniên­cia. Mas o "May be man" não é exactamente do partido no Poder. O seu partido é o Poder. Assim, ele veste e despe cores políticas conforme as marés. Porque o que ele é não vem da alma. Vem da aparência.

A mesma mão que hoje levanta uma bandeira, levantará outra amanhã. E venderá as duas bandeiras, depois de amanhã. Afinal, a sua ideolo­gia tem um só nome: o negócio. Como não tem muito para negociar, como já se vendeu terra e ar, ele vende-se a si mesmo. E vende-se em parcelas. Cada parcela chama-se “comissão”. Há quem lhe chame de “luvas”. Os mais pequenos chamam-lhe de “gasosa”.


Vivemos uma na­ção muito gaseificada.


Governar não é, como muitos pensam, tomar conta dos interesses de uma nação. Governar é, para o "May be Man", uma oportunidade de negócios. De “business”, como convém hoje, dizer.

Curiosamente, o “talvezeiro” é um veemente crítico da corrupção. Mas apenas, quando beneficia outros. A que lhe cai no colo é legítima, patriótica e enqua­dra-se no combate contra a pobreza. Mas a corrupção, em Moçambique, tem uma dificuldade: o corrup­tor não sabe exactamente a quem subornar. Devia haver um manual, com organograma orientador. Ou como se diz em workshopês: os guidelines. Para evitar que o suborno seja improdutivo.

Afinal, o "May be man" é mais cauteloso que o andar do camaleão: aguarda pela opi­nião do chefe, mais ainda pela opinião do chefe do chefe. Sem luz verde vinda dos céus, não há luz nem verde para ninguém.

O "May be man" entendeu mal a máxima cristã de “amar o próximo”. Porque ele ama o seguinte. Isto é, ama o governo e o governante que vêm a seguir.

Na senda de comércio de oportunidades, ele já vendeu a mesma oportunidade ao sul-africano. Depois, vendeu-a ao portu­guês, ao indiano. E está agora a vender ao chinês, que ele imagina ser o “próximo”.

É por isso que, para a lógica do “talvezeiro” é trágico que surjam decisões. Porque elas matam o terreno do eterno adiamento onde prospera o nosso indecidido personagem.

O "May be man" descobriu uma área mais rentável que a especulação financeira: a área do não deixar fazer. Ou numa parábola mais recen­te: o não deixar. Há investimento à vista? Ele complica até deixar de haver. Há projecto no fundo do túnel? Ele escurece o final do túnel. Um pedido de uso de terra, ele argumenta que se perdeu a papelada.

Numa palavra, o "May be man" actua como polícia de trânsito corrup­to: em nome da lei, assalta o cidadão.


Eis a sua filosofia: a melhor maneira de fazer política é estar fora da política. Melhor ainda: é ser político sem política nenhuma. Nessa fluidez se afirma a sua competência: ele entra e sai dos princípios, esquece o que disse ontem, rasga o juramento do passado. E a lei e o plano servem, quando confirmam os seus interesses. E os do chefe. E, à cau­tela, os do chefe do chefe.

O "May be man" aprendeu a prudência de não dizer nada, não pensar nada e, sobretudo, não contrariar os poderosos. Agradar ao dirigen­te: esse é o principal currículo. Afinal, o "May be man" não tem ideia sobre nada: ele pensa com a cabeça do chefe, fala por via do discurso do chefe. E assim o nosso amigo se acha apto para tudo. Podem no­meá-lo para qualquer área: agricultura, pescas, exército, saúde. Ele está à vontade em tudo, com esse conforto que apenas a ignorância absoluta pode conferir.

Apresentei, sem necessidade o "May be man". Porque todos já sabíamos quem era.

O nosso Estado está cheio deles, do topo à base. Podíamos falar de uma elevada densidade humana. Na realidade, porém, essa densidade não existe. Porque dentro do "May be man" não há ninguém. O que significa que estamos pagando salários a fantasmas. Uma for­tuna bem real paga mensalmente a fantasmas.

Nenhum país, mesmo rico, deitaria assim tanto dinheiro para o vazio. O "May be Man" é utilíssimo no país do talvez e na economia do faz-de-conta. Para um país a sério não serve.

15 de setembro de 2010

Do Jornal de Notícias retiro dois artigos de opinião de Manuel António Pina.

O primeiro relativamente à cobertura mediática do Processo da Casa Pia, mais precisamente do programada RTP 1 "Prós e Contras".

Jornalismo de "serviço"

2010-09-08

A entrevista "non stop" que, desde que foi condenado, Sua Inocência tem estado ininterruptamente a dar às TVs teve o mais respeitoso e obrigado dos episódios na RTP1, canal que é suposto fazer "serviço público".

Desta vez, o "serviço" foi feito a um antigo colega, facultando-lhe a exposição sem contraditório das partes que lhe convêm (acha ele) do processo Casa Pia e promovendo o grotesco julgamento na praça pública dos juízes que, após 461 sessões, a audição de 920 testemunhas e 32 vítimas e a análise de milhares de documentos e perícias, consideraram provado que ele praticou crimes abjectos, condenando-o à cadeia sem se impressionarem com a gritaria mediática de Suas Barulhências os seus advogados, o constituído e o bastonário.

Tudo embrulhado no jornalismo de regime, inculto e superficial, de Fátima C. Ferreira, agora em versão tu-cá-tu-lá ("Queres fazer-lhe [a uma das vítimas] alguma pergunta, Carlos?"). O "Prós & Contras" só não ficará na História Universal da Infâmia do jornalismo português porque é improvável que alguém, a não ser os responsáveis da RTP, possa chamar jornalismo àquilo.

O segundo com prende-se com a actuação do Bastonário da Ordem dos Advogados.

Sem sombra de pudor

2010-09-15

Provavelmente já poucos levam a sério o bastonário dos advogados, tantas vezes ele grita "Lobo! Lobo!" e tantas vezes, mal sobe à cena algum espectáculo mediático, salta para o palco a proclamar o fim do Mundo.

Gente que todos os dias anuncia a chegada dos bárbaros precisa permanentemente de catástrofes que lhe permitam aparecer na Ágora com "as suas togas vermelhas, de finos brocados /(...)/ e refulgentes anéis de esmeraldas esplêndidas". Não havendo catástrofes, inventa-as.

Ou, como Marinho e Pinto, deita os fogos que depois entusiasticamente corre a apagar. Assim, poucos dias após ter participado na TV na absolvição mediática de Carlos Cruz, sentenciando de "brutais", apesar de desconhecer inteiramente o processo, as penas aplicadas aos condenados pelo abuso sexual dos "rapazes" (a afectuosa expressão é do referido Cruz) da Casa Pia, Marinho e Pinto escreve sem sombra de pudor no JN que "só acredit[a] na justiça quando ela é feita no lugar próprio que são os tribunais, por magistrados e advogados independentes e não nos órgãos de comunicação social". Advogados "independentes", diz ele...


9 de setembro de 2010

Sou Advogado, e desde cedo aprendi que não se devem pessoalizar os problemas dos clientes. Defende-los com toda a nossa convicção, sim, mas nunca tomar os seus problemas como nossos. Não posso concordar com as declarações nem com a postura assumida pelo Dr. Sá Fernandes. Não são deontologicamente correctas e por isso representam uma grave violação das regras do Estatuto da Ordem dos Advogado.

O que tem feito e o que tem dito ultrapassa, em muito, os direitos e deveres que um advogado tem no patrocínio do seu cliente. Os processos são para ser discutidos nos tribunais e no próprio processo. O não concordar com a decisão do juiz deve e só pode ser demonstrada no processo e perante as autoridades próprias, que são os tribunais superiores.

Não deve, nem estatutariamente pode, um advogado estar a trazer para a rua o processo, nem pode manifestar, publicamente, de forma absolutamente buçal e ofensiva, o seu inconformismo com uma decisão judicial, por muito absurda que ela possa ser ou parecer.

O Advogado deve, em toda a sua actuação, manter uma postura de elevação e de respeito para com todos os intervenientes processuais, quer dentro da sala de audiência, quer fora dela. Assim obriga o dever de urbanidade.

Que não se conforme com a decisão, parece-me bem, para isso existem os recursos e os tribunais superiores. Não me parece nada bem que através da demagogia se procure obter na praça pública o que não conseguiu obter no tribunal.

Espero, como advogado, que a Ordem que nos representa retire as devidas consequências da actuação deste advogado e tome as devidas providências para a sua responsabilização disciplinar. Só assim se consegue dignificar a justiça e os advogados.

Ainda sobre este assunto, "roubo" este texto do blogue sine die, com o qual concordo plenamente:

05 Setembro 2010

As trevas do dr. Fernandes

"Trevas", "terror", "fascismo", "tribunais plenários"... Não, não é o Sr. Artur Albarran. São os termos usados pelo dr. Fernandes, um Sr. advogado de ar grave, para caracterizar o sistema judicial pátrio do qual, ao que parece, nem ele e nem o dr. Pinto fazem parte. Parece ainda, segundo o tal Sr. advogado de ar grave, que o acórdão é o "reflexo de um dos países mais atrasados..." Pergunto: alguém faz a fineza de explicar a este Sr. advogado de ar grave, um homem genuinamente preocupado com a Justiça e com a Democracia, que em alguns dos outros países que o mesmo terá como muito "mais avançados" do que Portugal o seu cliente porventura não sairia do tribunal com uma pena de 7 anos de prisão, mas antes com uma de 70? Que em muitos deles, um bom número deles, o dito cliente não sairia dali para uma conferência de imprensa em horário nobre, mas antes iniciaria de pronto a execução da pena e sem prejuízo de recurso? Que não é em todos os ditos países "avançados" que poderia apresentar magotes de testemunhas e outros tantos requerimentos, longos como léguas, ao longo de um julgamento? Que também em muitos dos países "avançados" que o mesmo porventura tivesse presentes no cerebelo ao proferir declarações descabeladas, não lhe seriam consentidos, sem prontas consequências disciplinares, dislates como aqueles que faz questão de nos prodigalizar de forma contumaz em prime time televisivo? Que também em alguns países civilizados, daqueles onde as pessoas se lavam, não seria possível, encontrar alguns canais de TV, como temos por cá, prontos a, reiteradamente, dar voz em horário nobre a uma pessoa condenada - por 3 juízes, na sequência de um julgamento de anos e ao que parece com superávite de garantias processuais - a 7 anos de prisão por crimes sexuais sobre menores? E, ainda, de entre o muito mais que se lhe poderia (deveria) explicar, que em alguns dos países em que a Justiça é um paraíso, nomeadamente uns que não raro são alcandorados a paradigma a copiar pelos tudólogos indígenas, o tribunal nem tem (ao menos no momento da prolação da decisão) obrigação de "dar razões" no caso de condenação? Alguém faz a fineza de explicar isso, com as letras todas, àquele Sr. advogado de ar grave?

Publicado por Pedro Soares de Albergaria (17:57)

3 de agosto de 2010

30 de julho de 2010

Adeus, António...

E obrigado por todas as gargalhadas...

[António Feio, 1954 - 2010]

15 de julho de 2010

De consciência tranquila [O negócio PT/TVI]

Aceitei este encargo, que sabia ser bem espinhoso, porque tal me pediu o Presidente do meu Grupo Parlamentar, ao tempo o Senhor Deputado José Pedro Aguiar Branco — e eu era então um dos mais convictos e entusiásticos apoiantes da sua candidatura à liderança nacional do PSD.

Desde o início deixei claro que exerceria a função com total rigor e independência e por isso me abstive em todas as votações da CPI, incluindo a do relatório final.

Por consenso unânime foram adoptadas desde o início regras e procedimentos, nomeadamente quanto a limites dos tempos de intervenção, que muito ajudaram a conduzir com eficácia os trabalhos da CPI.

Repito aqui formalmente o meu louvor e agradecimento às Senhoras Deputadas e aos Senhores Deputados que fizeram parte da CPI, tanto efectivos como suplentes, em especial os membros da Mesa, o Relator da Comissão e os que tiveram o encargo de Coordenadores de Grupo, pelo seu exemplar empenhamento no cumprimento do mandato recebido. O mesmo digo dos funcionários do Parlamento destacados para apoiar a actividade da CPI, tal como dos representantes dos órgãos de comunicação social, que asseguraram a divulgação dos nossos trabalhos à opinião pública.

Realizou a CPI, dentro da estreita margem de tempo fixada para o seu mandato, prolongada com calculada parcimónia, um número apreciável de diligências instrutórias, incluindo a inquirição de cerca de duas dezenas de pessoas consideradas como testemunhas válidas dos factos em análise.

Com uma única excepção, que deu origem ao procedimento legalmente previsto, todas as entidades solicitadas se prestaram a colaborar com a CPI, cumprindo assim o seu respectivo dever cívico.

A CPI, por iniciativa potestativa de alguns dos seus membros, requereu às entidades judiciais competentes peças de processos criminais em curso, no entendimento, de uma parte e outra partilhado, que o segredo de justiça, nos termos da lei aplicável, não é oponível às comissões parlamentares de inquérito.

Entendeu, porém, a CPI, por iniciativa minha, reforçada por deliberação da Mesa, obtida por maioria, com uma abstenção — deliberação essa recorrível, nos termos gerais do nosso Regimento, mas de que ninguém recorreu, o que deve ser entendido como aceitação, segundo os princípios gerais de direito — não utilizar directamente o conteúdo dos resumos de escutas telefónicas incluídos na documentação recebida do Tribunal de Comarca do Baixo Vouga, nem nos trabalhos da CPI nem no seu relatório final.

Acerca desta matéria gerou-se alguma confusão, que tentei esclarecer, nem sempre com sucesso. A ninguém foi proibido a acesso às famosas escutas, mas apenas a utilização directa do seu conteúdo pela CPI. Expressamente foi dito que o conhecimento das mesmas poderia mesmo sugerir novas diligências instrutórias…

O que me pareceu — e à CPI — de todo inaceitável foi a utilização de escutas num procedimento parlamentar, que não tem, obviamente, a natureza de investigação criminal.

Na verdade, a Constituição declara invioláveis “o domicílio e o sigilo da correspondência e outros meios de comunicação” e proíbe expressamente “toda a ingerência das entidades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal” (Artigo 34º, 1 e 4).

Por outro lado, a Constituição considera nulas todas as provas obtidas mediante “abusiva intromissão na correspondência ou nas telecomunicações”, aplicando-lhes o mesmo regime que determina para as provas obtidas mediante “tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa” (artigo 32º, 8).

Aduzem alguns o argumento seguinte: dispondo a Constituição que as CPIs “gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (Artigo 178º, 5), está-lhes facultado o uso de escutas telefónicas.

A questão, porém, a meu ver, não é orgânica mas sim material: a Constituição só permite a violação do sigilo da correspondência e das telecomunicações em processo-crime — o que exclui em absoluto os inquéritos parlamentares, que visam apurar responsabilidades de natureza política e não investigam e punem crimes, função do Estado constitucionalmente atribuída ao Poder Judicial.

Aliás, os que defendem que as CPIs, pelo argumento invocado, podem utilizar escutas, também deveriam defender que elas podem ordenar escutas — o que é manifestamente absurdo e claramente repugna.

O Estado de Direito democrático assenta na limitação dos poderes públicos face a uma incompressível e inultrapassável esfera de privacidade dos cidadãos, quem quer que sejam. Há já, infelizmente, demasiadas brechas neste princípio e é bom que não seja o Parlamento a dar facilidades na matéria, antes pelo contrário deve zelar no sentido oposto, em defesa dos direitos dos cidadãos e das cidadãs.

Os artigos citados da Constituição constam dela desde a sua redacção inicial e não sofreram substancial alteração. Como Deputado Constituinte, congratulo-me com o continuado reconhecimento da profunda sabedoria de tais preceitos.

Acresce ainda — do que já não me lembrava, mas fui verificar no Diário das Sessões de 1975 — terem sido esses preceitos aprovados em sessão plenária da Assembleia Constituinte sem discussão — o que evidencia o consenso unânime, quanto a um deles com uma única abstenção, previsível, que sobre eles se gerou.

E como se o já referido não bastasse para justificar o meu apego a princípios tão fundamentais, os preceitos em causa foram transcritos, palavra por palavra, do Projecto de Constituição apresentado pelo PPD, por a comissão competente que estudava a matéria de direitos, liberdades e garantias, ter considerado ser essa, em confronto com a de outros projectos de outros partidos, a formulação mais completa e perfeita, digna de figurar na Lei Fundamental da nova democracia portuguesa.

Os preceitos da Constituição, enquanto constam do seu texto, têm igual valor jurídico. Mas o que toca aos direitos, liberdades e garantias é reforçado por instrumentos internacionais a que Portugal se encontra vinculado, nomeadamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, do Conselho da Europa, esta última com peculiar garantia jurisdicional.

Mais importante ainda é que em tais direitos, liberdades e garantias se protege o núcleo duro da dignidade de cada pessoa humana, que é anterior ao Estado e a ele se impõe, exigindo integral respeito da parte do Poder, que assim fica limitado em termos absolutos.

Com tantos e tão fortes argumentos, quanto à questão das escutas, a CPI procedeu bem! E eu pude terminar a missão com o melhor prémio: — de consciência tranquila!

Autor: João Bosco Mota Amaral

[Intervenção proferida ontem na Assembleia da República enquanto presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito ao negócio PT/TVI]