[vista parcial da torre da Tate Galery em Londres. Foto de minha autoria]
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces, estendendo-me os braços, e seguros de que seria bom que eu os ouvisse. Quando me dizem: "vem por aqui"! Eu olho-os com olhos lassos, (há nos meus olhos, ironias e cansaços)
e cruzo os braços,
e nunca vou por ali...
A minha glória é esta: criar desumanidade! Não acompanhar ninguém. Que eu vivo com o mesmo sem-vontade com que rasguei o ventre a minha Mãe.
Não, não vou por aí!
Só vou por onde me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde, por que me repetis: "vem por aqui"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, redemoinhar aos ventos, como farrapos, arrastar os pés sangrentos, a ir por aí...
Se vim ao Mundo, foi só para desflorar florestas virgens, e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós que me dareis impulsos, ferramentas e coragem para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, e vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide!
Tendes estradas, tendes jardins, tendes canteiros, tendes pátrias, tendes tectos, e tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios. Eu tenho a minha Loucura! Levanto-a como um facho a arder na noite escura, e sinto espuma, e sangue e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam,
mais ninguém!
Todos tiveram Pai, todos tiveram Mãe; mas eu, que nunca princípio nem acabo, nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções! Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se alevantou. É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
não sei para onde vou,
Sei que não vou por aí!
José Régio