3 de maio de 2010

Respondendo...

Em relação ao meu último postal e em resposta ao comentário alí, amavelmente, colocado por "MBSilva" do "Tecto do Mundo" parece-me que considerar-se que uma providência cautelar com vista a impedir a publicação, num jornal, do conteúdo de determinadas escutas viola a liberdade de expressão, é um perfeito disparate e um completo absurdo.

Penso que isso é um claro sinal dos tempos, da gravíssima crise de valores em que mergulhou a nossa sociedade.

Pretende-se incluir nesse direito fundamental da liberdade de expressão, constitucionalmente consagrado, a possibilidade de tudo dizer sem qualquer consequências. Pretende-se não um direito de livremente se dizer o que se pensa, mas antes um direito ao livre e inconsequente insulto. Ao livre e inconsequente achincalhar do próximo. À livre e inconsequente violação de outros direitos fundamentais como sejam o da reserva da vida privada, o direito ao bom nome ou o direito à imagem, tudo em nome de um direito maior, o da Liberdade de expressão. Pois que, aquele que achincalha, que insulta e desrespeita o próximo, a maioria da vezes justifica a sua actuação ou procura esconder a sua responsabilidade pelo que disse e afirmou publicamente nesse direito de liberdade de expressão.

Se alguém, sentindo-se ofendido ou vilipendiado, intenta acção judicial a evitar mal maior ou a perseguir quem o ofendeu ou vilipendiou, logo vêm os iluminados dizer "ai que horror que pretendem calar a liberdade e a livre expressão!".

O que mais me cria estupefacção é a necessidade de se ter de intentar uma providência cautelar para evitar a publicação de escutas, consideradas ilegais, e que por isso sob pretexto algum podem ser divulgadas. Maior espanto tenho quando, essas escutas são impunemente publicadas. Quando há clara violação do segredo de justiça, são conhecidos os seus autores, é conhecido o meio, essa actuação constitui crime e, mesmo assim, tudo se passa como se nada tivesse acontecido.

As escutas que foram publicadas são, no meu entender, apenas e só conversas privadas, e por isso protegidas pelo direito fundamental da reserva da vida privada.

Valerá o princípio da liberdade expressão mais que o direito à reserva da vida privada? Ao direito que qualquer cidadão tem a que as suas conversas privadas não sejam divulgadas sem o seu consentimento?

No fundo a sensação que tenho é que se pretende criar ou incluir no direito de liberdade de expressão o direito de se insultar e de se difamar terceiro. Para isso basta ver como, a cada dia que passa, o insulto e o desrespeito pelo próximo, se torna fácil e é o primeiro recurso numa discussão, num confronto de ideias. Seja na Assembleia de República, nas comissões parlamentares, no dia a dia entre os mais perfeitos desconhecidos, numa fila de trânsito, numa fila do supermercado.

Vejo isso, essa grave crise de valores morais e sociais, no mais simples gesto como seja o de não segurar a porta do centro comercial para o próximo que entra. Coisa que se vai agravando à medida em que os valores e de princípios em confronto são de conteúdo superior.

Tudo isto me faz muita confusão, porque tudo é feito às claras e em perfeita impunidade. A justiça é a primeira a desleixar-se consigo própria. É a primeira a deixar que a violem, a consentir nessa violação. É a primeira a tomar uma atitude passiva e desleixada. É a primeira a dar o passo para a sua própria descredibilização.

Não sei onde isto vai parar, nem se haverá solução. Ou sequer se há vontade em mudar. A cada dia que passa não vejo melhoras, não vejo ninguém a abordar os verdadeiros problemas da justiça, nem grande preocupação na discussão das possíveis soluções. Aqueles a quem é espectável e lhes é exigido alguma contenção e seriedade no cargo que desempenham, são os primeiros a meter os pés pelas mãos, a dizer o que não devem e a não dizer o que devem dizer, a demonstrar um perfeito amadorismo no desempenho das suas funções e preocurem-se e a darem importância ao que não devem e a descurar o que verdadeiramente importa.

No fundo, tudo isto não passa de desabafos de quem escolheu a justiça por profissão e que, a cada dia que passa, lhe custa cada vez mais acreditar nela.

1 comentário:

MBSilva disse...

Se me permite, caro JTR, de todas as suas palavras as únicas que não faço minhas são as que compõem o desabafo do último parágrafo...

Por incrível que possa parecer - e por muitas surpresas que tenho tido ao longo destes anos - ainda confio e acredito no Direito que estudei e na importância da Justiça...
Até quando não lhe sei dizer. Mas até lá, vou teimando! :P

;)!!!