8 de dezembro de 2009

O Estado e as avenças a escritórios de advogados

Nesta minha vinda a São Miguel, berço da minha carreira profissional, tive a oportunidade de ler a entrevista do Presidente do Conselho Distrital dos Açores da Ordem dos Advogados ao Açoriano Oriental, sobre a questão de o governo regional, vários institutos públicos e as autarquias, celebrarem com sociedades de advogados avenças, ou lhes adjudicarem, maioria das vezes sem qualquer concurso público, a prestação de serviços de assessoria jurídica.

Ainda que o artigo tenha sido lido no início da minha estadia, só hoje parei para pensar um pouco no assunto e não posso deixar de concordar, se calhar não pelas mesmas razões, mas com a crítica e a oposição que era feita no artigo e com a posição que o Bastonário da Ordem dos Advogados, no seu estilo próprio, tem vindo a manifestar em público.

No fundo, a questão que se levantava, ou o desacordo manifestado prende-se com o facto de esses serviços jurídicos serem atribuídos sem concurso público (ou seja por adjudicação directa) a ”amigos” do governo, na maior parte dos casos com valores milionários.

Ainda que não concorde, também, com que a atribuição seja feita da forma que tem vindo a ser feita, a minha discordância vai um pouco mais além. Vai mesmo com o facto de o Governo sentir a necessidade de ter de se socorrer de advogados para fazer valer os seus interesses, ou para assegurar a sua defesa em juízo.

É que, uma das atribuições do Ministério Público é, precisamente, a representação do Estado em juízo e fora dele. Estamos a falar de uma instituição, ou de um corpo de profissionais, que estão, directamente, dependentes do Estado. São profissionais qualificados, ou pelo menos cabe ao Estado dotá-los da formação necessária para a defesa do Estado de direito. Formação que é assegurada pelo próprio Estado.

Se assim é, porque razão tem o Estado de estar a recorrer a serviços externos de advogados, a pagar-lhes quantias milionárias, quando tem uma equipa de profissionais, por si formados, a custo reduzido?

Não quero acreditar que é por não confiar nas suas capacidades ou nos seus conhecimentos, ou por os achar incompetentes. Pois que se assim é, então também não podem ser bons profissionais na defesa do Estado de Direito Democrático ou no exercício da acção penal ou outras competências que, especialmente, lhe são atribuídas pela Lei.

Não seria, penso eu, menos oneroso para o erário público criar um gabinete especializado, com os melhores magistrados de carreira, com funções específicas de desenvolver toda a actividade que é, actualmente, adjudicada a escritórios de advogados? Serão eles mais competentes que os profissionais que o Estado tem obrigação de formar?

--

Nota do autor (1):

Para que não fiquem dúvidas, e a fim de evitar ferir susceptibilidades, o presente postal, como me parece ter ficado claro, não é uma crítica dirigida ao Ministério Público ou às suas competências, profissionalismo, ou sequer um alerta para a falta delas. É antes uma crítica à promiscuidade que, mais uma vez, graça a coisa pública e o espírito daqueles que nos governam.

Nota do autor (2):

Nem tão pouco, o presente postal, pretende demonstrar qualquer amargura ou dor de cotovelo por ter sido preterido num qualquer concurso público para adjudicação de trabalhos jurídicos por uma qualquer entidade pública. Nunca concorri a nenhum concurso do género e, muito sinceramente, creio alguma vez vir a concorrer, primeiro por não ter estrutura ou capacidade suficiente para suportar tal empreitada, e segundo, por achar que a função do advogado não se compatibiliza com tal prestação de serviços. O Advogado deve ser, em toda a sua actividade, independente de qualquer entidade pública ou poder público. Por isso ser um defensor do alargamento da lista de incompatibilidades entre o exercício de cargos ou funções públicas e o exercício da advocacia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Boa reflexão que dá que pensar e, claro, concordar.