3 de novembro de 2010

O «May be man»

Segunda, 01 Novembro 2010 13:04

MIA COUTO


Existe o “Yes man”.

Todos sabem quem é e o mal que causa. Mas existe o "May be man". E poucos sabem quem é. Menos ainda sabem o impacto desta espécie na vida nacional. Apresento aqui essa criatura que todos, no final, reconhecerão como familiar.

O "May be man" vive do “talvez”.


Em português, dever-se-ia chamar de “talvezeiro”. Devia tomar decisões. Não toma. Sim­plesmente, toma indecisões. A decisão é um risco. E obriga a agir. Um“ talvez” não tem implicação nenhuma, é um híbrido entre o nada e o vazio.

A diferença entre o "Yes man" e o "May be man" não está apenas no “yes”. É que o “may be” é, ao mesmo tempo, um “may be not”.

Enquanto o "Yes man" aposta na bajulação de um chefe, o "May be man" não aposta em nada nem em ninguém. Enquanto o primeiro suja a língua numa bota, o outro engraxa tudo que seja bota superior.

Sem chegar a ser chave para nada, o "May be man" ocupa lugares chave no Estado. Foi-lhe dito para ser do partido. Ele aceitou por conveniên­cia. Mas o "May be man" não é exactamente do partido no Poder. O seu partido é o Poder. Assim, ele veste e despe cores políticas conforme as marés. Porque o que ele é não vem da alma. Vem da aparência.

A mesma mão que hoje levanta uma bandeira, levantará outra amanhã. E venderá as duas bandeiras, depois de amanhã. Afinal, a sua ideolo­gia tem um só nome: o negócio. Como não tem muito para negociar, como já se vendeu terra e ar, ele vende-se a si mesmo. E vende-se em parcelas. Cada parcela chama-se “comissão”. Há quem lhe chame de “luvas”. Os mais pequenos chamam-lhe de “gasosa”.


Vivemos uma na­ção muito gaseificada.


Governar não é, como muitos pensam, tomar conta dos interesses de uma nação. Governar é, para o "May be Man", uma oportunidade de negócios. De “business”, como convém hoje, dizer.

Curiosamente, o “talvezeiro” é um veemente crítico da corrupção. Mas apenas, quando beneficia outros. A que lhe cai no colo é legítima, patriótica e enqua­dra-se no combate contra a pobreza. Mas a corrupção, em Moçambique, tem uma dificuldade: o corrup­tor não sabe exactamente a quem subornar. Devia haver um manual, com organograma orientador. Ou como se diz em workshopês: os guidelines. Para evitar que o suborno seja improdutivo.

Afinal, o "May be man" é mais cauteloso que o andar do camaleão: aguarda pela opi­nião do chefe, mais ainda pela opinião do chefe do chefe. Sem luz verde vinda dos céus, não há luz nem verde para ninguém.

O "May be man" entendeu mal a máxima cristã de “amar o próximo”. Porque ele ama o seguinte. Isto é, ama o governo e o governante que vêm a seguir.

Na senda de comércio de oportunidades, ele já vendeu a mesma oportunidade ao sul-africano. Depois, vendeu-a ao portu­guês, ao indiano. E está agora a vender ao chinês, que ele imagina ser o “próximo”.

É por isso que, para a lógica do “talvezeiro” é trágico que surjam decisões. Porque elas matam o terreno do eterno adiamento onde prospera o nosso indecidido personagem.

O "May be man" descobriu uma área mais rentável que a especulação financeira: a área do não deixar fazer. Ou numa parábola mais recen­te: o não deixar. Há investimento à vista? Ele complica até deixar de haver. Há projecto no fundo do túnel? Ele escurece o final do túnel. Um pedido de uso de terra, ele argumenta que se perdeu a papelada.

Numa palavra, o "May be man" actua como polícia de trânsito corrup­to: em nome da lei, assalta o cidadão.


Eis a sua filosofia: a melhor maneira de fazer política é estar fora da política. Melhor ainda: é ser político sem política nenhuma. Nessa fluidez se afirma a sua competência: ele entra e sai dos princípios, esquece o que disse ontem, rasga o juramento do passado. E a lei e o plano servem, quando confirmam os seus interesses. E os do chefe. E, à cau­tela, os do chefe do chefe.

O "May be man" aprendeu a prudência de não dizer nada, não pensar nada e, sobretudo, não contrariar os poderosos. Agradar ao dirigen­te: esse é o principal currículo. Afinal, o "May be man" não tem ideia sobre nada: ele pensa com a cabeça do chefe, fala por via do discurso do chefe. E assim o nosso amigo se acha apto para tudo. Podem no­meá-lo para qualquer área: agricultura, pescas, exército, saúde. Ele está à vontade em tudo, com esse conforto que apenas a ignorância absoluta pode conferir.

Apresentei, sem necessidade o "May be man". Porque todos já sabíamos quem era.

O nosso Estado está cheio deles, do topo à base. Podíamos falar de uma elevada densidade humana. Na realidade, porém, essa densidade não existe. Porque dentro do "May be man" não há ninguém. O que significa que estamos pagando salários a fantasmas. Uma for­tuna bem real paga mensalmente a fantasmas.

Nenhum país, mesmo rico, deitaria assim tanto dinheiro para o vazio. O "May be Man" é utilíssimo no país do talvez e na economia do faz-de-conta. Para um país a sério não serve.

1 comentário:

Anónimo disse...

PrinSó Mia Couto podia dizer de modo tão claro o que se passa. Mas em Moçambique ou em Portugal? Cá como lá não ha diferença. Bela escolha para este postal.